Tomei minhas costumeiras pílulas para dormir antes mesmo de embarcar no avião. Era a única forma de amenizar meu medo: dormir durante as poucas, porém eternas horas de voo. Suspirei aliviada por estar viajando sozinha, a minha companheira de viagens tinha a irremediável mania de falar o tempo todo, e naqueles tempos ela costumava criticar todas as minhas atitudes, lembrando-me sempre da aventura melancólica que era a minha vida. Fiquei a imaginar quem me buscaria no aeroporto dessa vez. Era uma brincadeira que eu fazia para passar o tempo, já que toda vez ele mandava alguém diferente. De modo que eu era conhecida por vários de seus parentes e funcionários, todos sorridentes e eu sempre tinha a impressão de que eles me olhavam com dó. Fiquei pensando no porquê, até que meus pensamentos foram interrompidos pela voz que anunciava a embarcação de meu voo. Procurei com calma meu assento, sentindo o sono invadir meu corpo e inundar minha mente. Sentei-me com calma junto à janelinha e fechei-a automaticamente para impedir a entrada dos raios solares. Comecei a sentir o peso das minhas pálpebras e tolamente tentei mantê-las abertas em uma tentativa fracassada.
A ordem havia sido simples: venha o mais rápido possível. Disse que tinha assuntos sérios a serem discutidos, como o nosso futuro. Cumprimentei efusivamente seu motorista, o empregado que estava livre no momento que eu cheguei àquela cidade meio morta. O único motivo para visitá-la era o fato de meu namorado morar lá. No carro, a caminho de sua casa, fantasiei que era possivelmente esse o motivo da viagem: discutir onde moraríamos quando nos casássemos. Alegrei-me com a idéia, já que a espera para o grande pedido estava ficando longa demais. Estávamos juntos havia quatro anos, e apesar da distância ser um forte ponto contra nós, eu teimava em acreditar que não era um obstáculo, porque apesar de tudo, nós nos amávamos. Ou pelo menos, eu pensava que sim.
Cheguei e fui recebida por uma legião de funcionários, pelos quais fui tratada super bem e informada de que teria que aguardar o dono da casa chegar - estava trabalhando, para variar - mas que eu ficasse à vontade. Agradeci tristemente, pois conhecia aquele discurso de cor. Dirigi-me para o quarto no qual eu ficaria hospedada e deparei-me com uma surpresa: pela primeira vez em quatro anos, ele não havia deixado um bilhete sequer, uma pequena demonstração de carinho, qualquer cortejo para isentar-me de preocupações sobre a nossa relação, coisa que eu costumava ter. Não conseguindo pensar em nada mais plausível, fui a seu quarto; às vezes ele deixava lá mesmo, já que eu dormia com ele frequentemente. Porém, o aposento também estava deserto nesse quesito.
Contra todos os meus princípios, vasculhei cada centímetro sem poder me conter. Abri a gaveta da mesa de cabeceira, procurei nos armários, na escrivaninha, mas só encontrei a prova da minha desgraça embaixo da cama. Uma caixa de veludo, não tão grande quanto o estrago que ela causaria. Seu conteúdo era um anel de diamante, cujo interior fora gravado com o nome dele e de outra. Outro nome que não era o meu. Outro nome. Outro.
Caminhei sem cerimônia para meu cômodo. Engraçado, pensei, o cômodo está bastante incômodo nesse momento. Deitei na cama, abri minha bolsa e peguei minhas costumeiras pílulas soníferas. Coloquei algumas na boca, era o único modo de amenizar minha dor: dormir durante as poucas, porém eternas horas de vida. Senti o peso das minhas pálpebras e tentei mantê-las abertas em uma tentativa fracassada.
Victória Pereira Martins
14, 18 e 20/01/2008
domingo, 20 de janeiro de 2008
sexta-feira, 18 de janeiro de 2008
Sufoco
Provavelmente não conseguirei dormir essa noite. Não apenas pela enorme quantidade de café que tomei enquanto conversava excentricidades com meus amigos, cujo apoio tem sido indispensável durante esse processo que estou passando, mas também porque agora eu tenho certeza que acabou entre nós. Dói cada parte de meu corpo de um modo físico, chega a ser esdrúxulo. Não consigo encontrar um porquê, não sei o que aconteceu. Queria, queria mesmo perguntar a você onde foi que eu errei. Sei que talvez não obteria uma resposta concreta, já que você costuma negar tudo que eu ouso supor. Consigo até simular a situação na minha mente: você me olharia com aquela ternura chantagista, porém cínica, e diria calmamente numa voz calma e fingida que a culpa não foi minha, que eu fiz tudo certo, que o culpado claramente foi você; e eu, na minha ingenuidade tola, acreditaria. Você faria de tudo para garantir um nebuloso futuro, caso seus planos não dessem certo com outra alma infeliz que tenha a má fé de aventurar-se com tão extravagante ser. Eu teria pena dela, se não fosse tão deprimente pensar que alguém tenha sentido pena de mim uma mísera vez.
O clima nessa cidade banal tem a mania doentia de estar de acordo com o meu humor. Acho que por isso que tem chovido torrencialmente: os dias fantasmagóricos e ociosos aparentam durar para sempre; impossibilitam qualquer forma de amenizar minha dor. Ainda mais com a sua imagem estampada em tudo que existe nessa casa assustadora. Não importa, todo lugar que eu olho existe um pouco de você, cada lugar que vou contém uma lembrança sua a me perturbar. Tenho a viciosa impressão de que aquele retrato seu está sempre rindo, debochando de mim, da minha fraqueza. Por mais que queira, não consigo jogá-lo fora.
Não vou mentir: tentei manter os pés no chão. Tentei não fantasiar que seu jeito tão sem defeito fosse real. Tentei não acreditar quando você disse que nunca faria nada para me machucar. Então, eu peço: me perdoe. Minha estupidez iniciou-se no momento que eu me deixei envolver, apesar de tudo pelo que passei. Deveria saber que a história se repetiria, e no fundo eu realmente soube como acabaria quando olhei para você. Seus olhos - cheios de marcas de outros amores, de cicatrizes que elas fizeram - não esconderam a gana de fazer alguém sofrer do mesmo modo que você sofreu. Não posso deixar de lhe parabenizar, porque você conseguiu.
Já cansei de pensar em você com outras, fazendo o que a gente fazia, sussurrando as mesmas palavras, trocando os olhares únicos. Não sei quem colocou isso na minha cabeça, que esperança é a última que morre. É triste, mas parece que ela morreu. Antes eu tinha fé, pedia toda noite para alguma força divina que a fase acabasse, que tudo voltasse ao normal e ficasse bem. Devo ter feito alguma coisa errada, porque nunca fui atendida. Fico esperando que algum milagre aconteça, e você entre pela porta, peça desculpas, diga que quer tentar de novo. Mas sei que a espera é vã. Acaso é loucura?
Victória Pereira Martins
17/01/2008
agora me mostra alguém
afim de me acompanhar.
O clima nessa cidade banal tem a mania doentia de estar de acordo com o meu humor. Acho que por isso que tem chovido torrencialmente: os dias fantasmagóricos e ociosos aparentam durar para sempre; impossibilitam qualquer forma de amenizar minha dor. Ainda mais com a sua imagem estampada em tudo que existe nessa casa assustadora. Não importa, todo lugar que eu olho existe um pouco de você, cada lugar que vou contém uma lembrança sua a me perturbar. Tenho a viciosa impressão de que aquele retrato seu está sempre rindo, debochando de mim, da minha fraqueza. Por mais que queira, não consigo jogá-lo fora.
Não vou mentir: tentei manter os pés no chão. Tentei não fantasiar que seu jeito tão sem defeito fosse real. Tentei não acreditar quando você disse que nunca faria nada para me machucar. Então, eu peço: me perdoe. Minha estupidez iniciou-se no momento que eu me deixei envolver, apesar de tudo pelo que passei. Deveria saber que a história se repetiria, e no fundo eu realmente soube como acabaria quando olhei para você. Seus olhos - cheios de marcas de outros amores, de cicatrizes que elas fizeram - não esconderam a gana de fazer alguém sofrer do mesmo modo que você sofreu. Não posso deixar de lhe parabenizar, porque você conseguiu.
Já cansei de pensar em você com outras, fazendo o que a gente fazia, sussurrando as mesmas palavras, trocando os olhares únicos. Não sei quem colocou isso na minha cabeça, que esperança é a última que morre. É triste, mas parece que ela morreu. Antes eu tinha fé, pedia toda noite para alguma força divina que a fase acabasse, que tudo voltasse ao normal e ficasse bem. Devo ter feito alguma coisa errada, porque nunca fui atendida. Fico esperando que algum milagre aconteça, e você entre pela porta, peça desculpas, diga que quer tentar de novo. Mas sei que a espera é vã. Acaso é loucura?
Victória Pereira Martins
17/01/2008
agora me mostra alguém
afim de me acompanhar.
quarta-feira, 9 de janeiro de 2008
De repente
Era noite. Tudo parecia estar bem, já que ignoravam o fato de estarem caminhando para o final. Havia muito tempo, a única razão pela qual eles olhavam nos olhos um do outro era ver a si mesmo, a imagem refletida de seu eu. É claro que é essencial ter amor próprio, porém a partir do momento em que ambos começam a ter atitudes esdrúxulas e excêntricas, percebe-se um desgaste e o relacionamento se torna errante.
O silêncio incômodo cabia nos poucos milímetros que os separavam. Decerto, às vezes palavras não são necessárias para dizer alguma coisa, mas não era o caso. No começo, eles eram capazes de se entender por telepatia, com um toque, um olhar, um gesto. Lentamente, o tempo construiu uma barreira em suas mentes, a qual os deixou inaptos para decifrar qualquer sinal vindo do outro. E a vida se acostumou.
Nem desejo sentiam mais. As mãos trocavam carícias porque era conveniente, para esconder o tédio irreversível, cuja cura seria possível se houvessem feito algo a tempo. Mas como eles fingiam desconhecer o acontecimento, o tédio espalhou-se como uma epidemia maligna, degenerativa, que matou não só a alegria de estar junto, como o amor inicialmente forte, transformando-o em cinzas.
Amanheceu. Talvez tenha sido pelo cansaço, ou quem sabe pela massa de tensão que se solidificara entre eles, mas antes que tentassem fazer qualquer coisa para reverter a situação, as bocas inundadas em mentiras separaram-se, o falso abraço se desfez e as risadas não tinham mais motivo para tornarem-se existentes.
Victória Pereira Martins
09/01/2008
O silêncio incômodo cabia nos poucos milímetros que os separavam. Decerto, às vezes palavras não são necessárias para dizer alguma coisa, mas não era o caso. No começo, eles eram capazes de se entender por telepatia, com um toque, um olhar, um gesto. Lentamente, o tempo construiu uma barreira em suas mentes, a qual os deixou inaptos para decifrar qualquer sinal vindo do outro. E a vida se acostumou.
Nem desejo sentiam mais. As mãos trocavam carícias porque era conveniente, para esconder o tédio irreversível, cuja cura seria possível se houvessem feito algo a tempo. Mas como eles fingiam desconhecer o acontecimento, o tédio espalhou-se como uma epidemia maligna, degenerativa, que matou não só a alegria de estar junto, como o amor inicialmente forte, transformando-o em cinzas.
Amanheceu. Talvez tenha sido pelo cansaço, ou quem sabe pela massa de tensão que se solidificara entre eles, mas antes que tentassem fazer qualquer coisa para reverter a situação, as bocas inundadas em mentiras separaram-se, o falso abraço se desfez e as risadas não tinham mais motivo para tornarem-se existentes.
Victória Pereira Martins
09/01/2008
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