Henrique me amava e não me suportava em igual medida. E era o primeiro que conseguia ter os dois sentimentos sobre mim ao mesmo tempo. Porque sempre fora ou um ou outro: no começo, eles me amavam irremediavelmente. Mas quando eu me apoiava a eles de uma maneira doentia, eles perdiam qualquer respeito que tinham por mim. Quanto mais eles se afastavam, mais eu me grudava a eles. E isso fazia com que eles se afastassem mais ainda. Por isso me impressionava que Henrique ainda não havia perdido as rédeas da paciência comigo. Claro, eu tentei me controlar para não me entregar tão passionalmente a ponto de assustá-lo, mas não teve jeito. O resultado foi esse: nossa relação era de amor e ódio. Não sei dizer se era mais de amor ou mais de ódio.
Eu não sabia se ele realmente me amava, ou se ele precisava de mim. Como algo doentio, nossa relação se corroía à medida que minhas crises de paciência coincidiam com suas crises passionais, e vice-versa. Eu começava a desconfiar que ele estava comigo por motivos que nem ele próprio compreendia. Eu saía de casa para trabalhar bem cedo, e só voltava depois das cinco horas da tarde. Às vezes me dava no nervos chegar em casa cansada, e vê-lo esticado no sofá, tão angelical. E o pior é que toda a minha raiva desaparecia quando ele abria um sorriso gigante ao me ver, e ia me azarar com seus dotes sedutores irresistíveis. Embora nossa relação não se constituísse apenas disso, era a única coisa que nos mantinha juntos.
Há muito tempo minhas amigas me diziam para mandá-lo embora. Que ele se aproveitava de mim, do meu dinheiro, de minha boa vontade e que isso me sugava tão profundamente que logo não me restaria nada, nem mesmo Henrique. Eu fiquei muitos anos sem dar ouvidos a elas, porque eu acreditava que o nosso relacionamento estava muito além de qualquer coisa que elas pudessem entender. E quando eu repetia esses pensamentos em voz alta, elas rolavam os olhos. Uma vez tentei conversar com ele a respeito. Disse que embora nós nos amássemos muito, realmente parecia que ele queria se aproveitar de tudo que eu tinha. E colocando as mãos em volta de minha cintura, ele usou as palavras: "e você vai dar ouvido a elas, amor? Eu sei que você é melhor que isso para ficar ouvindo às bobagens daquelas mulheres superficiais. Elas não entendem o que nós sentimos". Depois disso, eu não ouvi mais nada, só me concentrei na boca dele silenciando a minha, e nas mãos deslizando pelo meu corpo. Eu me odiava por ser tão fraca a ponto de nem conseguir ter uma conversa sobre a nossa relação, mas eu acreditava fielmente em todas as palavras que ele me dizia.
Mas as coisas começaram a piorar depois de setembro. Quando eu chegava em casa do trabalho, ele nem se importava em ignorar meu cansaço e me atirar na cama, porque ele já estava na cama, dormindo ao lado de milhares de latinhas de cerveja que eu bancava. Nós brigávamos quase todas as manhãs, mas isso não fazia nada ser diferente à noite. É claro que às vezes eu cedia às suas tentativas, e me via na cama com ele, quando já estava atrasada para ir trabalhar. Só ouvi-lo se dirigir a mim como "amor", fazia com que minhas pernas tremessem e eu não resistia àqueles braços fortes que me pegavam na queda. Ele adorava o poder que certas palavras tinham sobre mim, ele estava decidido de que eu nunca o faria ir embora. E eu também pensava que eu não tinha essa influência sobre a minha própria fraqueza para fazê-lo.
Porém um dia eu a vi. Ela estava esperando o elevador no meu andar, quando as portas se abriram. Nós não tínhamos vizinhos, então era um pouco óbvio que ela fora ao meu apartamento fazer uma visita ao meu namorado, debaixo do meu nariz. E o pior é que ela era tudo o que eu não era: loira, alta e linda. Não me senti traída, mas humilhada. Percebi que todo o esforço que eu estava fazendo era vão. Queria gritar, bater nele, quebrar tudo que estivesse por perto, mas meu instinto me fez fazer outra coisa. Como de praxe, ele já estava na cama. Agora entendia por que era eu que trabalhava o dia inteiro, e ele que estava sempre cansado. Ele me olhou e sorriu.
"Boa noite, amor. Chegou cedo hoje", a voz dele estava mais irresistível do que nunca.
"Eu sei", minha voz estava fria, eu me segurava para não perder a paciência, gritar e estragar tudo. "Sabe, eu tenho uma idéia para hoje à noite. Uma coisa que não fazemos há muito tempo."
"Ah, amor, eu estou muito cansado hoje, talvez nós devêssemos deixar para fazer isso pela manhã". Os olhos deles já fechavam automaticamente como em uma tentiva de escapar das minhas idéias tolas. Mas eu estava cheia de sarcasmo naquela noite, e ele não escaparia assim tão fácil.
"Então quer dizer que você tem toda a energia do mundo para passar o dia com aquela mulher que estava aqui, e não quer me dar nem sequer um momento de prazer? Que injusto, Henrique. Não é ela que paga as suas contas".
Dito isso, seus olhos se abriram em um flash. Eu vi preocupação em seu olhar, mas ele não se deu ao trabalho de sair da cama, já que as primeiras lágrimas começavam a rolar em meu rosto, e ele odiava meus momentos sentimentais. Sem conseguir olhar para ele por muito mais tempo, eu fui para a sala, e sentei-me desoladamente no sofá. Ele foi atrás de mim.
"Não, não. Você entendeu tudo errado. Será que é possível que você pare de ficar imaginando coisas?", ele disse com a voz falha. Eu ouvi que estava diferente do normal. Ah, sim. Ele estava com medo.
"Não sou eu que estou ficando louca aqui, Henrique. Não coloque em mim uma culpa que eu não tenho". Eu fechei meus olhos, como que para conseguir pronunciar as palavras que viriam a seguir. "Eu não quero mais você aqui, vá embora."
"Meu amor, como assim? Você entendeu tudo errado. Eu te amo, só você. Sempre vou amar. Ninguém sabe como nós nos sentimos". O medo havia ido embora, ele soava desesperado.
"Aparentemente nem você sabe como nós nos sentimos. Pelo menos não como eu me sinto. Vá embora agora, Henrique". Meus olhos ainda estavam fechados.
"É isso mesmo que você quer?". Eu sabia o que ele estava fazendo, jogando com meu psicológico. Mas eu não deixaria isso me atingir dessa vez. Eu queria mandá-lo embora de uma vez por todas. Eu queria agradecê-lo por ter feito isso ser tão fácil. Eu só balancei a minha cabeça em resposta à sua pergunta, porque não acreditava na certeza de minhas palavras. Eu não me atrevi a abrir os olhos quando ouvi uma porta se abrindo e sendo batida com força, deixando todo o passado para trás.
Victória Pereira Martins
22/02/2009
quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009
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