Eu mesma havia assumido responsabilidade pelos meus atos. Ele tentara me avisar para conter meus sentimentos, para evitar a dor que chegaria junto com eles invariavelmente, mais cedo ou mais tarde. E mesmo consciente do fim, eu negava sua proximidade. Esperava como um doente terminal aguarda a morte. Receios à parte, eu tentava ignorar a data praticamente marcada da tragédia. Mesmo com todo o tempo para ter me preparado para o drama, eu nunca estaria preparada para aquilo. Meus dedos tremiam segurando a xícara de café, enquanto ele tentava me abraçar desajeitadamente, com minhas mãos entre nós. Minhas lágrimas molhavam as extremidades da camisa dele, formavam pequenas manchas pretas debaixo dos meus olhos ao derreterem a maquiagem discreta, que me lembraram nuvens de fumaça espalhadas em meu rosto, ao observar meu reflexo na porta de vidro.
A pior parte é que ele havia sido cordial com suas palavras, como sempre. Disse carinhosamente que não tínhamos futuro, que não via como nós podíamos dar certo. Por dentro, eu concordava com cada uma dessas afirmações, mas meu coração diminuía toda vez que ele abria a boca para me dar mais motivos do porquê nunca ficaríamos juntos. Desenlacei-me de seu abraço falso e andei desoladamente até a mesa da cozinha. Ao jogar-me pesadamente na cadeira, derramei todo o conteúdo da xícara fumegante em meu colo. Soltei um grito, a dor começou a embaçar minha visão enquanto ele abria minhas calças desesperadamente e tentava arrancá-las o mais rápido possível de meu corpo, esquecendo-se que o líquido quente derramado raspava as queimaduras já instaladas em minhas pernas. Fiquei olhando para a vermelhidão em minhas coxas enquanto ele colocava gelo em um saco de plástico, em um ritmo desastrado. Observei-o divertida e rancorosa, ao mesmo tempo.
Ele começou a pressionar a compressa gelada nos lugares onde eu havia me queimado. A cena, apesar de dolorida, tomou um caráter excitante. Minhas pernas, nunca antes tocadas desnudas, exalavam calor nas mãos frias dele, segurando o gelo. O contato em diferentes temperaturas manteve nossos olhares fixos um no outro. Fui a primeira a desviá-lo. Disse-lhe que ia procurar calças secas para colocar, eu percebera seu olhar perdido na minha roupa de baixo preta, e a ocasião não era perfeita para erotismos. Ele concordou e eu subi as escadas. Eis que minhas pernas ainda ardiam, fazendo com que eu não conseguisse colocar qualquer calça. Coloquei um vestido qualquer, para não deixá-lo esperando por muito tempo na cozinha cujo chão estava molhado de café quente, misturado nas minhas lágrimas geladas.
Desci as escadas, encontrei-o limpando a sujeira que eu fizera. Sorri tristemente. Ele provavelmente nunca mais pisaria em minha casa depois do episódio. Na verdade, eu sabia que ele nunca mais iria me ver, com ou sem o acidente. Ele levantou-se do chão, seu olhar acompanhando meu corpo de baixo a cima, conforme seu corpo também ficava ereto. Enrusbeci, deixando a cor de minhas bochechas próxima à das minhas pernas. Ele retribuiu o sorriso, mas não como ele sorria nas últimas semanas. Sorriu se desculpando, pedindo licença para terminar de destruir meu coração, levantando e soltando os ombros em um sinal de derrota. O fim era mais forte que sua vontade, talvez ele tentava me dizer. Assenti com a cabeça, mostrando que eu o entendia, dando-lhe permissão para terminar o show da separação.
Ele caminhou lentamente em minha direção. Olhou para mim, muitos centímetros mais baixa, abriu a boca para começar a falar algo, mas mudou de ideia e fechou-a novamente. Ao invés disso, pegou meu rosto em suas mãos e beijou brevemente os meus lábios. Sussurrou "até logo" e soprou um beijo na ponta da minha orelha. Esperei que fizesse mais alguma coisa, mas ele simplesmente pegou as chaves do carro em cima da mesa do hall e desapareceu pela porta, deixando-me ainda mais perdida do que antes, totalmente inconsciente do que aconteceria a seguir. Então peguei a xícara que havia deixado na cozinha e fui ferver água para preparar mais café.
Victória Pereira Martins
24/08/2009
segunda-feira, 24 de agosto de 2009
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