terça-feira, 13 de outubro de 2009

Sombras

Embora a cama fosse velha, as juntas não rangiam. E nem teriam o porquê, já que eu apenas deitava com meus braços envoltos sobre o peito do homem que eu vira retornar à casa havia poucas horas. Ao vê-lo entrando pela porta, após os minutos de relutância, tentando negar o que meus olhos viam, desabei em prantos. Ele, naturalmente, colocou os braços em volta de mim. Beijando minha testa, disse que tudo estava bem, que ele iria cuidar de mim dali em diante. Agarrei-o com força, como que para provar que ele estava lá mesmo, para impedir que num piscar de olhos, alguém o tirasse de mim. Mas ele permaneceu me abraçando por intensos e longos minutos, até que, sem proferir palavra, puxou-me pela mão escada acima. Faltava-me força para subir os degraus, minhas pernas continuavam trêmulas. Cada passo lesionava minhas coxas e eu soltava o aperto de mão sem perceber. Ele olhou para mim, para a minha palidez, para a minha vulnerabilidade e pegou-me no colo. Em seus braços fortes, fechei os olhos, mesmo sem ter sono, e escutei seus passos nos arrastando para nosso antigo quarto - que ultimamente era só meu.

Ele me colocou na cama. Senti o colchão duro sob minhas costas, mas aquilo nunca fizera me sentir tão bem. Esperei-o tirar a jaqueta e colocar delicadamente em cima da cadeira ao lado da cama, enquanto sorria para mim. Mesmo conhecendo-o tantos anos, ele pareceu um estranho, talvez por causa de todo o tempo que estivemos separados. Deitou-se ao meu lado, com a mão segurando a cabeça e senti em seus olhos que tinha vontade de falar, de começar a explicar sua presença ali, de se desculpar por ter me deixado sozinha por tanto tempo. Não me interessava nada daquilo: eu não procurava por respostas, apesar de ter milhares de perguntas. A única coisa importante no momento era tê-lo por perto, independente do quanto aquilo duraria. Passei meus dedos pelo seu abdômen, subindo até encontrar seu rosto. Isso o fez silenciar-se, ou, como já estava calado, o fez esquecer o que iria falar. A noite caía lá fora, o quarto escurecia e a minha visão tornava-se um pouco turva. Procurei seus lábios antes de escurecer totalmente, e ele correpondeu.

Não me lembro em que medida nós paramos. Depois de beijá-lo, não consegui mais parar de passar minhas mãos por todo o seu corpo para garantir que ele estava lá por completo. Ele também não parava de me tocar, preenchendo-me de uma felicidade inexplicável, ao sentir que seu toque era real. Não chegamos a tirar nenhuma peça de roupa em nenhum momento, só degustamos horas e horas da presença do outro. Ele eventualmente sussurrava algo em meu ouvido, só para eu me lembrar aos poucos da voz dele, e recordar o passado que antes eu julgava perdido. Na maioria das vezes, dizia que eu não mudara nada, que ele continuava desejando cada centímetro de meu corpo. Outras vezes - essas mais raras - ele fazia pequenas declarações, dizendo palavras amorosas e indagando como era possível alguém amar tanto como ele me amava. Ouvi calada, sorrindo, e segurando-o por perto com mais força, com medo de que ele fosse embora de novo. Mas à certa altura, o cansaço nos invadiu. Deitei-me ao seu lado, o mais próximo que pude, e não me atrevi a tirar as mãos dele enquanto adormecia.

Acordei sobressaltada em uma cama fria. Abri meus olhos e descobri que abraçava o vazio. Como? Como era possível? Eu só caíra no sono por alguns minutos e... Ele não estava mais lá. Ele não estava mais lá comigo já fazia tempo, não apenas alguns minutos. Eu já sabia, eu sabia e não queria admitir, não queria admitir para não se tornar verdade. Não queria acreditar. Eu o havia imaginado. Ele jamais voltaria, jamais. Minha mente perturbada o trouxera de volta, mas a volta era um caminho que ele não faria. Bati na parede, gritei com raiva da minha tristeza impotente: eu nem ninguém poderia trazê-lo de volta. Ele se fora para sempre. Para sempre. Para sempre. E com essas palavras se repetindo em minha cabeça, deitei-me encolhendo meu corpo, abraçando meus joelhos, tentando me proteger dos perigos do mundo.. desejando que eu pudesse tê-lo protegido desses mesmos perigos enquanto ainda era tempo. Mas era tarde demais. Doíam todas as juntas do meu corpo e eu desejei que as juntas da cama rangessem, para que eu pudesse ter alguma memória concreta daquela noite. Olhei para meus membros doloridos, minha palidez, minha vulnerabilidade. E eu senti que ele soubesse, que ele sentisse isso também, e tentando lutar contra todos os truques da minha mente - embora não conseguindo - senti quando ele se deitou do meu lado e enlaçou os braços em volta de mim.


Victória Pereira Martins
13/10/2009

"Quién te besó lejos de aqui mientras te inventaba en la cama?"
(Quién - Ricardo Arjona)