Meu coração está se partindo. Sinto falta de uma menina pequena. Ou seria de uma pequena menina? Ela era pequena, entretanto, apenas pela sua forma: seus dedos, seus pés, seus olhos. Sua visão, ao contrário, era assaz grandiosa. Sonhava com o futuro e, mais que isso, acreditava nele. Imaginava coisas que meninas de sua idade não ousariam. Realizava tudo com paixão e determinação; era certa de seus sonhos. Apesar disso, ela sabia muito pouco sobre a vida. Na verdade, não queria sequer saber. O mundo, para ela, era um lugar bonito. Sem maldade, sem obstáculos e construído à imagem e semelhança de seus pensamentos. A convicção da existência desse mundo perfeito era sua melhor qualidade e seu pior defeito, ao mesmo tempo. A sua ingenuidade lhe permitia a felicidade, a despreocupação com os desafios e a alegria em poder sonhar tão alto quanto fossem as estrelas. Porém, essa mesma ingenuidade a decepcionaria mais tarde, ao perceber que o mundo por ela construído não era - e não podia ser - real.
Essa menina era eu. Embora eu almeje dizer que ela sou eu, sei que aquilo que nos distanciou distancia-nos cada dia mais: a capacidade de sonhar. Gostaria de ainda ser aquela pequena menina - que era tão grande quanto seus sonhos -, convicta das suas vontades, hesitante sobre suas hesitações, indecisa sobre as próprias certezas e, principalmente, forte em relação a todas as situações, porque, no fim, o mundo sempre curaria suas feridas - o mundo bom imaginado por ela. Hoje, por mais que meu coração endureça, por mais que a vida e as pessoas calejem meus sentimentos, eu me sinto cada vez mais fraca. Quanto menos eu choro, mais eu perco as minhas forças. Para mim, isso não passa de um paradoxo: aquela menina frágil que chorava inocentemente e por qualquer motivo era mais forte do que a pessoa que sou hoje - que chora pouco e, quando o faz, tenta esvaziar o choro de sentido e sentimento. Será que o motivo disso foram as transformações que sofri, as desilusões por que passei? Ou será que a responsabilidade - ou melhor, a culpa - é toda minha?
Não sei. Pode ser que o mundo em que vivo ainda não seja real. Este em que vivo agora é bruto, talvez mais intensamente maldoso do que o é naturalmente. Um mundo onde não há sequer um pedaço de bondade ou uma pitada de esperança. Quem sabe, nesse sentido eu ainda sou uma menina que, por não enxergar o mundo real, recria-o. Porém, o que diferencia a menina que eu era e a menina que sou é a visão prospectiva que ela tinha e a visão retrospectiva que eu tenho. Pode ser, também, que eu esteja em um momento transitório, no qual não sou nem menina nem mulher. Sou apenas uma sonhadora desacreditada tentando resgatar a esperança da menina que fui e construir a destreza da mulher que ainda não sou. Espero, pois, que a mulher que serei seja mais forte do que sou agora - e, por forte, eu entendo reconhecer as próprias fraquezas para tentar contorná-las. Também espero, todavia, que a mulher sonhe tão alto, acredite tão convictamente e questione a si própria tão frequentemente quanto a menina era capaz de fazer. E claro, mantenha um traço da melancolia desse período de transição, em que não sou o que fui e não sou o que serei. Assim, espero que ela encontre o equilíbrio entre as três fases para que não se sinta demasiado otimista nem demasiado pessimista - mas que se sinta, enfim, completa.
Victória Pereira Martins
25/10/2010
segunda-feira, 25 de outubro de 2010
terça-feira, 21 de setembro de 2010
2009
OBS.: texto que encontrei há pouco tempo e reorganizei. Estou postando um pouco atrasada, mas espero que gostem!
Querido 2009,
Eu sei que você é novo nesse cargo e não tem muita experiência nisso. Sei também que os anos anteriores lhe informaram que não é uma tarefa fácil, embora pareça, essa história de atender ao que todos desejam: ser um próspero ano novo. Eu entendo. Todos criam mil expectativas antes mesmo de sua chegada, e você só está tão assustado como nós estamos. Com uma diferença. Nós acreditamos que você sabe o que está fazendo, que tudo dará certo a longo prazo, mesmo que o seu tempo conosco seja curto. Não se preocupe. Eu não contarei a ninguém que você é inexperiente e pode acabar cometendo os mesmos erros que os anos anteriores. Porque, de uma forma um pouco bizarra, eu confio em você.
Em primeiro lugar, eu gostaria de lhe pedir uma coisa. Já é março. A rapidez com que o tempo anda faz as pessoas se assustarem um pouco. Eu sei que o tempo é um amigo seu de longa data, então que tal sugerir que ele desacelere um pouco sua velocidade? Diga para ele não ter pressa, que ninguém vai tirá-lo do lugar a que ele pertence. Explique que se ele começar a caminhar, ao invés de correr, você terá mais oportunidades de fazer seu mandato inesquecível. Eu acho que ele vai lhe escutar, mesmo que seja pouco. As pessoas se assustam com ele, têm medo que ele tire tudo o que elas possuem, eu compreendo esse desespero, porque às vezes, até eu mesma sinto. Eu sei que você fará o possível.
E, bem, tem uma coisa que eu preciso lhe informar. Antes mesmo de você chegar, as pessoas já estavam falando mal pelas suas costas, dizendo que você não seria um bom ano. Todos dizem que você trouxe uma crise com você. Eu entendo que não é sua culpa. É apenas o reflexo do mau reinado de anos anteriores, por isso que eu acredito que, de alguma maneira, você pode mudar isso. Seria engraçado olhar para a cara de todas aquelas pessoas e dar risada quando elas olhassem para você, incrédulas, comentando que você deu à volta por cima. Acho que até eu me divertiria com a situação.
As pessoas podem me chamar de otimista. Confesso que, até agora, não tenho muitos motivos para ter fé que você vai fazer tudo mudar. Mas eu sei que, assim como eu confio em você, você confia naquele velho amigo que eu já mencionei: o tempo. E ambos sabemos que ele é intrigante, um tanto quanto brincalhão, gosta de nos deixar surpresos. Eu já percebi o poder que ele tem sobre as coisas, a facilidade com que ele estraga ou melhora tudo.
Confesso que ele foi bondoso o suficiente conosco em uma época distante. E é compreensível que às vezes ele faça uma brincadeira de mau gosto. É deprimente, claro, ver que, quanto mais ele anda para a frente, mais as pessoas retrocedem, quase na mesma proporção. Então talvez seja um pouco culpa dele, o fracasso dos anos anteriores. Culpa inconsciente, até. Por isso sugiro aquela conversa. Diga ao tempo que ele é essencial, que ele cura as dores, os erros e sabe muito bem como cicatrizar as feridas deixadas pelos problemas do passado. Eu acredito que afinal, ele vai acabar disfarçando graciosamente todos os conflitos.
Apesar de confiar em você, sei que terá uma semelhança com os anos anteriores: trará alegrias, tristezas, doenças, desastres naturais, confraternizações entre povos e o mais importante: deixará a área preparada para o 2010. E por, favor, pense nele também: se você cumprir bem seu papel, pode ser que ele siga o seu exemplo.
Boa sorte!
Victória Pereira Martins
03/2009
Querido 2009,
Eu sei que você é novo nesse cargo e não tem muita experiência nisso. Sei também que os anos anteriores lhe informaram que não é uma tarefa fácil, embora pareça, essa história de atender ao que todos desejam: ser um próspero ano novo. Eu entendo. Todos criam mil expectativas antes mesmo de sua chegada, e você só está tão assustado como nós estamos. Com uma diferença. Nós acreditamos que você sabe o que está fazendo, que tudo dará certo a longo prazo, mesmo que o seu tempo conosco seja curto. Não se preocupe. Eu não contarei a ninguém que você é inexperiente e pode acabar cometendo os mesmos erros que os anos anteriores. Porque, de uma forma um pouco bizarra, eu confio em você.
Em primeiro lugar, eu gostaria de lhe pedir uma coisa. Já é março. A rapidez com que o tempo anda faz as pessoas se assustarem um pouco. Eu sei que o tempo é um amigo seu de longa data, então que tal sugerir que ele desacelere um pouco sua velocidade? Diga para ele não ter pressa, que ninguém vai tirá-lo do lugar a que ele pertence. Explique que se ele começar a caminhar, ao invés de correr, você terá mais oportunidades de fazer seu mandato inesquecível. Eu acho que ele vai lhe escutar, mesmo que seja pouco. As pessoas se assustam com ele, têm medo que ele tire tudo o que elas possuem, eu compreendo esse desespero, porque às vezes, até eu mesma sinto. Eu sei que você fará o possível.
E, bem, tem uma coisa que eu preciso lhe informar. Antes mesmo de você chegar, as pessoas já estavam falando mal pelas suas costas, dizendo que você não seria um bom ano. Todos dizem que você trouxe uma crise com você. Eu entendo que não é sua culpa. É apenas o reflexo do mau reinado de anos anteriores, por isso que eu acredito que, de alguma maneira, você pode mudar isso. Seria engraçado olhar para a cara de todas aquelas pessoas e dar risada quando elas olhassem para você, incrédulas, comentando que você deu à volta por cima. Acho que até eu me divertiria com a situação.
As pessoas podem me chamar de otimista. Confesso que, até agora, não tenho muitos motivos para ter fé que você vai fazer tudo mudar. Mas eu sei que, assim como eu confio em você, você confia naquele velho amigo que eu já mencionei: o tempo. E ambos sabemos que ele é intrigante, um tanto quanto brincalhão, gosta de nos deixar surpresos. Eu já percebi o poder que ele tem sobre as coisas, a facilidade com que ele estraga ou melhora tudo.
Confesso que ele foi bondoso o suficiente conosco em uma época distante. E é compreensível que às vezes ele faça uma brincadeira de mau gosto. É deprimente, claro, ver que, quanto mais ele anda para a frente, mais as pessoas retrocedem, quase na mesma proporção. Então talvez seja um pouco culpa dele, o fracasso dos anos anteriores. Culpa inconsciente, até. Por isso sugiro aquela conversa. Diga ao tempo que ele é essencial, que ele cura as dores, os erros e sabe muito bem como cicatrizar as feridas deixadas pelos problemas do passado. Eu acredito que afinal, ele vai acabar disfarçando graciosamente todos os conflitos.
Apesar de confiar em você, sei que terá uma semelhança com os anos anteriores: trará alegrias, tristezas, doenças, desastres naturais, confraternizações entre povos e o mais importante: deixará a área preparada para o 2010. E por, favor, pense nele também: se você cumprir bem seu papel, pode ser que ele siga o seu exemplo.
Boa sorte!
Victória Pereira Martins
03/2009
quinta-feira, 26 de agosto de 2010
Luto
Hoje o céu está claro. Alguns diriam que deveria estar chovendo, que o mundo deveria estar chorando por perder uma grande pessoa. Um menino e um homem ao mesmo tempo. Uma pessoa bonita, inteligente, madura, simpática.. alguém que tinha valores e um brilhante futuro pela frente. Tenho certeza de que todas as pessoas que conheceram o Hugo fizeram-o de modo inusitado, porque ele tinha aquele jeito de surpreender todos com o seu bom humor e otimismo com a vida. Também tenho certeza de que mesmo quem não o conheceu tão bem assim vai sentir a sua falta. Porque o Hugo era aquele tipo de pessoa que faz do mundo um lugar melhor, que faz todos terem um pouco mais de esperança e fé na humanidade.
É por isso que o céu não está chorando. O céu está limpo para recebê-lo de braços abertos, porque enquanto nós, aqui na terra, perdemos um grande homem, eles, lá no céu, ganharam a companhia de uma pessoa incrível. O Hugo era um menino lindo, parecia um anjo. E agora ele é.
Vai fazer muita falta.
Victória Pereira Martins
26/08/2010
Luto :/
Hugo Renato Lorencini
* 06/08/1991 † 25/08/2010
É por isso que o céu não está chorando. O céu está limpo para recebê-lo de braços abertos, porque enquanto nós, aqui na terra, perdemos um grande homem, eles, lá no céu, ganharam a companhia de uma pessoa incrível. O Hugo era um menino lindo, parecia um anjo. E agora ele é.
Vai fazer muita falta.
Victória Pereira Martins
26/08/2010
Luto :/
Hugo Renato Lorencini
* 06/08/1991 † 25/08/2010
segunda-feira, 19 de abril de 2010
Nostalgia
Hoje, na academia, vi um menino em trajes de karatê correndo para pegar um saco daquelas pipocas cor-de-rosa na lanchonete. Sua mãe já caminhava para o carro quando viu a intenção do filho e voltou para impedi-lo. Disse-lhe "hoje não", e pegou em sua mão para conduzí-lo até o carro enquanto sorria para a balconista. O menino arrastou os pés até o carro, cabisbaixo, decepcionado por não ser dia de comer pipoca cor-de-rosa e provavelmente pensando nos legumes que teria para o jantar.
Isso chamou minha atenção. Não porque fiquei com dó do menino, mas porque lembrei-me de minha própria infância. Lembrei de quando ia à Igreja da praça e ficava eletrizada pelo simples fato de poder comer pipoca cor-de-rosa depois da missa. Ou então churros. Porém, sempre preferi a pipoca doce. Lembro-me de que anos mais tarde, quando já estava com uns quatorze anos, essa pipoca me veio à cabeça. Um amigo me lembrou dela; percebi que não conseguia recordar do gosto, apenas da sensação que eu tinha quando a comia. Como a sensação era boa, aquele saquinho branco com pipoca também deveria ser muito bom. Fiquei um tempão enchendo a cabeça da minha mãe com isso, não encontrávamos a tal pipoca em lugar algum, tentamos em vários supermercados e nada. Até que ela me levou a uma loja de doces perto do shopping e consegui encontrar o tão desejado doce.
Não esperei. Abri ali mesmo, no carro. Senti o cheiro antes de colocá-la na boca. Senti bem seu cheiro, tentando refazer em minha mente todas as vezes em que eu saía da missa e corria para o carrinho de pipoca. Então, provei-a. Mastiguei uma vez, duas, três, engoli. Demorei um tempo para pegar outra pipoca, porque achei que tivesse me enganado. Tanto tempo sem comê-la deveria ter me deixado enferrujada para sentir seu gosto. Mas aconteceu com a segunda, a terceira, a quarta.. e com metade do pacote! Não tinha o mesmo gosto da minha infância. Nem era tão gostosa assim! Era uma mistura de doce com salgado. Logo deixei o saco de lado, para a decepção de minha mãe.
Hoje, olhando o menino na academia, refleti. Quando era criança, nunca entendi o porquê dos adultos não gostarem de algumas dessas besteiras que eu comia. Salgadinhos, pipocas com sabor, balas, etc. . Por isso, tinha a ilusão de que eles nunca haviam gostado daquelas coisas. Pensava que quando eram crianças, não comiam esse tipo de comida. No entanto, estava enganada.
Já adolescente, também pensava que meus pais gostavam de Roberto Carlos porque o haviam escutado a vida inteira. Pensava que eles nunca haviam ouvido músicas de discoteca. Era estranho. Era estranho porque era um equívoco. E era um equívoco porque eu era ingênua. Percebi que as crianças são inteligentes. Não porque elas vivem felizes ingenuamente, mas porque elas são ainda menos ingênuas do que eu fui na adolescência. Ou até mesmo do que eu sou hoje.
Talvez ocorra só em seus subconscientes. Todavia, tenho certeza de que ocorre. As crianças se forçam a acreditar que os adultos não gostam de fazer as coisas que elas fazem porque nunca gostaram, e não porque deixaram de gostar. Elas pensam isso porque têm medo de que elas próprias deixem de gostar. Têm medo de endurecerem. De ter que trabalhar e não poder mais comer pipoca cor-de-rosa nos domingos de manhã, depois da missa. Têm medo de crescerem, terem filhos e proibi-los de comer pipoca cor-de-rosa. Têm medo da pipoca cor-de-rosa perder o gosto, ficar sem graça e nem ligarem quando isso acontecer. Talvez eu tivesse esse medo, mas esse medo tem que ir embora. Vai embora e a gente nem percebe. A gente, no máximo, observa com nostalgia aqueles dias em que comemos pipoca cor-de-rosa depois da missa de domingo; lembramos com tristeza da infância quando uma mãe nega pipoca cor-de-rosa para o filho. No entanto, a memória é irrelevante. A saudade não nos impede de crescer, de endurecer, de ter que trabalhar e de deixar de comer pipoca cor-de-rosa depois da missa, no domingo de manhã.
Victória Pereira Martins
19/04/2010
Isso chamou minha atenção. Não porque fiquei com dó do menino, mas porque lembrei-me de minha própria infância. Lembrei de quando ia à Igreja da praça e ficava eletrizada pelo simples fato de poder comer pipoca cor-de-rosa depois da missa. Ou então churros. Porém, sempre preferi a pipoca doce. Lembro-me de que anos mais tarde, quando já estava com uns quatorze anos, essa pipoca me veio à cabeça. Um amigo me lembrou dela; percebi que não conseguia recordar do gosto, apenas da sensação que eu tinha quando a comia. Como a sensação era boa, aquele saquinho branco com pipoca também deveria ser muito bom. Fiquei um tempão enchendo a cabeça da minha mãe com isso, não encontrávamos a tal pipoca em lugar algum, tentamos em vários supermercados e nada. Até que ela me levou a uma loja de doces perto do shopping e consegui encontrar o tão desejado doce.
Não esperei. Abri ali mesmo, no carro. Senti o cheiro antes de colocá-la na boca. Senti bem seu cheiro, tentando refazer em minha mente todas as vezes em que eu saía da missa e corria para o carrinho de pipoca. Então, provei-a. Mastiguei uma vez, duas, três, engoli. Demorei um tempo para pegar outra pipoca, porque achei que tivesse me enganado. Tanto tempo sem comê-la deveria ter me deixado enferrujada para sentir seu gosto. Mas aconteceu com a segunda, a terceira, a quarta.. e com metade do pacote! Não tinha o mesmo gosto da minha infância. Nem era tão gostosa assim! Era uma mistura de doce com salgado. Logo deixei o saco de lado, para a decepção de minha mãe.
Hoje, olhando o menino na academia, refleti. Quando era criança, nunca entendi o porquê dos adultos não gostarem de algumas dessas besteiras que eu comia. Salgadinhos, pipocas com sabor, balas, etc. . Por isso, tinha a ilusão de que eles nunca haviam gostado daquelas coisas. Pensava que quando eram crianças, não comiam esse tipo de comida. No entanto, estava enganada.
Já adolescente, também pensava que meus pais gostavam de Roberto Carlos porque o haviam escutado a vida inteira. Pensava que eles nunca haviam ouvido músicas de discoteca. Era estranho. Era estranho porque era um equívoco. E era um equívoco porque eu era ingênua. Percebi que as crianças são inteligentes. Não porque elas vivem felizes ingenuamente, mas porque elas são ainda menos ingênuas do que eu fui na adolescência. Ou até mesmo do que eu sou hoje.
Talvez ocorra só em seus subconscientes. Todavia, tenho certeza de que ocorre. As crianças se forçam a acreditar que os adultos não gostam de fazer as coisas que elas fazem porque nunca gostaram, e não porque deixaram de gostar. Elas pensam isso porque têm medo de que elas próprias deixem de gostar. Têm medo de endurecerem. De ter que trabalhar e não poder mais comer pipoca cor-de-rosa nos domingos de manhã, depois da missa. Têm medo de crescerem, terem filhos e proibi-los de comer pipoca cor-de-rosa. Têm medo da pipoca cor-de-rosa perder o gosto, ficar sem graça e nem ligarem quando isso acontecer. Talvez eu tivesse esse medo, mas esse medo tem que ir embora. Vai embora e a gente nem percebe. A gente, no máximo, observa com nostalgia aqueles dias em que comemos pipoca cor-de-rosa depois da missa de domingo; lembramos com tristeza da infância quando uma mãe nega pipoca cor-de-rosa para o filho. No entanto, a memória é irrelevante. A saudade não nos impede de crescer, de endurecer, de ter que trabalhar e de deixar de comer pipoca cor-de-rosa depois da missa, no domingo de manhã.
Victória Pereira Martins
19/04/2010
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