Hoje, na academia, vi um menino em trajes de karatê correndo para pegar um saco daquelas pipocas cor-de-rosa na lanchonete. Sua mãe já caminhava para o carro quando viu a intenção do filho e voltou para impedi-lo. Disse-lhe "hoje não", e pegou em sua mão para conduzí-lo até o carro enquanto sorria para a balconista. O menino arrastou os pés até o carro, cabisbaixo, decepcionado por não ser dia de comer pipoca cor-de-rosa e provavelmente pensando nos legumes que teria para o jantar.
Isso chamou minha atenção. Não porque fiquei com dó do menino, mas porque lembrei-me de minha própria infância. Lembrei de quando ia à Igreja da praça e ficava eletrizada pelo simples fato de poder comer pipoca cor-de-rosa depois da missa. Ou então churros. Porém, sempre preferi a pipoca doce. Lembro-me de que anos mais tarde, quando já estava com uns quatorze anos, essa pipoca me veio à cabeça. Um amigo me lembrou dela; percebi que não conseguia recordar do gosto, apenas da sensação que eu tinha quando a comia. Como a sensação era boa, aquele saquinho branco com pipoca também deveria ser muito bom. Fiquei um tempão enchendo a cabeça da minha mãe com isso, não encontrávamos a tal pipoca em lugar algum, tentamos em vários supermercados e nada. Até que ela me levou a uma loja de doces perto do shopping e consegui encontrar o tão desejado doce.
Não esperei. Abri ali mesmo, no carro. Senti o cheiro antes de colocá-la na boca. Senti bem seu cheiro, tentando refazer em minha mente todas as vezes em que eu saía da missa e corria para o carrinho de pipoca. Então, provei-a. Mastiguei uma vez, duas, três, engoli. Demorei um tempo para pegar outra pipoca, porque achei que tivesse me enganado. Tanto tempo sem comê-la deveria ter me deixado enferrujada para sentir seu gosto. Mas aconteceu com a segunda, a terceira, a quarta.. e com metade do pacote! Não tinha o mesmo gosto da minha infância. Nem era tão gostosa assim! Era uma mistura de doce com salgado. Logo deixei o saco de lado, para a decepção de minha mãe.
Hoje, olhando o menino na academia, refleti. Quando era criança, nunca entendi o porquê dos adultos não gostarem de algumas dessas besteiras que eu comia. Salgadinhos, pipocas com sabor, balas, etc. . Por isso, tinha a ilusão de que eles nunca haviam gostado daquelas coisas. Pensava que quando eram crianças, não comiam esse tipo de comida. No entanto, estava enganada.
Já adolescente, também pensava que meus pais gostavam de Roberto Carlos porque o haviam escutado a vida inteira. Pensava que eles nunca haviam ouvido músicas de discoteca. Era estranho. Era estranho porque era um equívoco. E era um equívoco porque eu era ingênua. Percebi que as crianças são inteligentes. Não porque elas vivem felizes ingenuamente, mas porque elas são ainda menos ingênuas do que eu fui na adolescência. Ou até mesmo do que eu sou hoje.
Talvez ocorra só em seus subconscientes. Todavia, tenho certeza de que ocorre. As crianças se forçam a acreditar que os adultos não gostam de fazer as coisas que elas fazem porque nunca gostaram, e não porque deixaram de gostar. Elas pensam isso porque têm medo de que elas próprias deixem de gostar. Têm medo de endurecerem. De ter que trabalhar e não poder mais comer pipoca cor-de-rosa nos domingos de manhã, depois da missa. Têm medo de crescerem, terem filhos e proibi-los de comer pipoca cor-de-rosa. Têm medo da pipoca cor-de-rosa perder o gosto, ficar sem graça e nem ligarem quando isso acontecer. Talvez eu tivesse esse medo, mas esse medo tem que ir embora. Vai embora e a gente nem percebe. A gente, no máximo, observa com nostalgia aqueles dias em que comemos pipoca cor-de-rosa depois da missa de domingo; lembramos com tristeza da infância quando uma mãe nega pipoca cor-de-rosa para o filho. No entanto, a memória é irrelevante. A saudade não nos impede de crescer, de endurecer, de ter que trabalhar e de deixar de comer pipoca cor-de-rosa depois da missa, no domingo de manhã.
Victória Pereira Martins
19/04/2010
segunda-feira, 19 de abril de 2010
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