segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Dos tempos de descrença

Meu coração está se partindo. Sinto falta de uma menina pequena. Ou seria de uma pequena menina? Ela era pequena, entretanto, apenas pela sua forma: seus dedos, seus pés, seus olhos. Sua visão, ao contrário, era assaz grandiosa. Sonhava com o futuro e, mais que isso, acreditava nele. Imaginava coisas que meninas de sua idade não ousariam. Realizava tudo com paixão e determinação; era certa de seus sonhos. Apesar disso, ela sabia muito pouco sobre a vida. Na verdade, não queria sequer saber. O mundo, para ela, era um lugar bonito. Sem maldade, sem obstáculos e construído à imagem e semelhança de seus pensamentos. A convicção da existência desse mundo perfeito era sua melhor qualidade e seu pior defeito, ao mesmo tempo. A sua ingenuidade lhe permitia a felicidade, a despreocupação com os desafios e a alegria em poder sonhar tão alto quanto fossem as estrelas. Porém, essa mesma ingenuidade a decepcionaria mais tarde, ao perceber que o mundo por ela construído não era - e não podia ser - real.

Essa menina era eu. Embora eu almeje dizer que ela sou eu, sei que aquilo que nos distanciou distancia-nos cada dia mais: a capacidade de sonhar. Gostaria de ainda ser aquela pequena menina - que era tão grande quanto seus sonhos -, convicta das suas vontades, hesitante sobre suas hesitações, indecisa sobre as próprias certezas e, principalmente, forte em relação a todas as situações, porque, no fim, o mundo sempre curaria suas feridas - o mundo bom imaginado por ela. Hoje, por mais que meu coração endureça, por mais que a vida e as pessoas calejem meus sentimentos, eu me sinto cada vez mais fraca. Quanto menos eu choro, mais eu perco as minhas forças. Para mim, isso não passa de um paradoxo: aquela menina frágil que chorava inocentemente e por qualquer motivo era mais forte do que a pessoa que sou hoje - que chora pouco e, quando o faz, tenta esvaziar o choro de sentido e sentimento. Será que o motivo disso foram as transformações que sofri, as desilusões por que passei? Ou será que a responsabilidade - ou melhor, a culpa - é toda minha?

Não sei. Pode ser que o mundo em que vivo ainda não seja real. Este em que vivo agora é bruto, talvez mais intensamente maldoso do que o é naturalmente. Um mundo onde não há sequer um pedaço de bondade ou uma pitada de esperança. Quem sabe, nesse sentido eu ainda sou uma menina que, por não enxergar o mundo real, recria-o. Porém, o que diferencia a menina que eu era e a menina que sou é a visão prospectiva que ela tinha e a visão retrospectiva que eu tenho. Pode ser, também, que eu esteja em um momento transitório, no qual não sou nem menina nem mulher. Sou apenas uma sonhadora desacreditada tentando resgatar a esperança da menina que fui e construir a destreza da mulher que ainda não sou. Espero, pois, que a mulher que serei seja mais forte do que sou agora - e, por forte, eu entendo reconhecer as próprias fraquezas para tentar contorná-las. Também espero, todavia, que a mulher sonhe tão alto, acredite tão convictamente e questione a si própria tão frequentemente quanto a menina era capaz de fazer. E claro, mantenha um traço da melancolia desse período de transição, em que não sou o que fui e não sou o que serei. Assim, espero que ela encontre o equilíbrio entre as três fases para que não se sinta demasiado otimista nem demasiado pessimista - mas que se sinta, enfim, completa.


Victória Pereira Martins
25/10/2010