Combinamos de nos encontrar em um café no centro da cidade. Para não deixá-lo esperando, cheguei cedo. Eu vestia uma calça social branca, uma camisa azul escura e cabelos presos. Apesar de não precisar deles para enxergar, estava usando meus óculos de grau para parecer intelectual. Só eu sabia como aquele encontro era importante, porque poderia determinar meu futuro. Desci do carro com calma, querendo parecer dramática e caminhei vagarosamente até à entrada do café, com a esperança que ele chegasse junto comigo. Como isso não ocorreu, segurei minha bolsa e minhas anotações mais próximas ao meu corpo e entrei no local.
Escolhi duas poltronas no canto do estabelecimento, para que tivéssemos privacidade. Embora eu pudesse ter sentado no lugar onde as poltronas estavam dispostas uma em frente à outra, escolhi as que estavam lado a lado. Inventei uma desculpa para mim mesma, de que, se eu me sentasse ao lado dele, poderia mostrar-lhe melhor minhas anotações sem que nenhum de nós tivesse que virar o pescoço para fazê-lo.
Pedi um expresso duplo e olhei no relógio. Ainda faltavam alguns minutos para a hora avençada, por isso decidi reler meus manuscritos, em busca de alguma imperfeição passível de correção naquela hora. Não consegui me concentrar. Só pensava no homem que eu estava esperando, que provavelmente se despedia de sua mulher e filhos antes de sair de casa. O pensamento me enciumava e, ao perceber isso, enrubesci -- e fiquei zangada comigo mesma. Por que diabos eu teria ciúme de um homem casado? Se a resposta era desejo, tinha algo muito de errado comigo: eu sempre condenara esse tipo de comportamento.
Ouvi a porta do café se abrir e levantei a cabeça. Embora eu conhecesse meu editor de longa data, sua beleza ainda me impressionava: os cabelos penteados para trás, os olhos azuis, quase translúcidos, e uma postura que impunha respeito. Tanto que, embora não houvesse tanta diferença de idade entre nós, eu me sentia intimidada perto dele, como se ele tivesse autoridade sobre mim. Ele usava um terno preto listrado, impecável. Ao me ver, não sorriu, como costumava fazê-lo, mas simplesmente beijou-me a face e sentou-se na poltrona ao meu lado.
Sussurrei algumas palavras sobre o trânsito, esperando animá-lo e, invariavelmente, ver o seu sorriso contagiante. Entretanto, ele permaneceu sério. Fiquei entristecida diante de sua reação, mas esperei que ele fizesse seu pedido, enquanto o garçom trazia meu expresso, para falar de novo. Assim que ele redirecionou sua atenção a mim, comecei a falar sobre meus manuscritos, o projeto de meu novo livro e, como percebi, ele se esforçava para se concentrar. Não parei de falar por um minuto, mostrando-lhe as anotações, virando as páginas e olhando em seus olhos para buscar alguma expressão que demonstrasse seu desgosto ou interesse.
Abruptamente, ele segurou minhas mãos agitadas que gesticulavam. Calei-me imediatamente. Ele fechou os olhos por um instante e livrou-me do toque, deixando minhas mãos geladas e confusas.
Ao abrir os olhos, sussurrou: "Desculpe. Desculpe, não estou prestando atenção. Eu sei que você percebeu, desculpe. Estou tão envergonhado, me desculpe". Diante de todos os pedidos de perdão, foi a minha vez de segurar as suas mãos, para que ele parasse com tantas desculpas. A verdade é que me preocupou a sua fragilidade. Ele, tão superior, imperioso e forte, desculpava-se comigo sabe-se Deus lá por quê.
Arrisquei, sem soltar sua mão: "Calma. O que foi? Você está bem?!"
Ele desvencilhou-se do meu contato físico e cobriu o rosto com suas mãos por alguns segundos. Ao levantar a cabeça, seus olhos estavam levemente marejados em lágrimas, que começaram a escorrer pela sua face enquanto ele falava: "É a minha mulher. Ontem, encontrei-a com o meu melhor amigo. Eu nunca imaginei..." E suas palavras foram interrompidas pelo garçom que lhe trouxe seu pedido.
Fiquei perplexa. Seu choro cortou-me o coração. A minha vontade era abraçá-lo e dizer o quanto ele era maravilhoso, mas me contive. Apenas observei seus olhos chorosos e o peito de suas mãos que enxugavam as lágrimas.
Depois que o garçom deixou seu café, ele tomou um gole e me disse: "Desculpe-me esse momento de fraqueza. De volta ao trabalho".
Voltei a mostrar meus manuscritos para ele, mas percebi seus devaneios. Meu Deus, ele deveria estar muito magoado para desfazer-se assim na minha frente. Embora eu me compadecesse de seu sofrimento, só conseguia pensar em sua esposa. Que espécie de mulher faria isso com um homem tão maravilhoso? Eu, sonhando em tê-lo na minha cama e, ela, afastando-o para dar lugar a outro homem. Respirei fundo para expulsar esses pensamentos.
Ao fim dos nossos trabalhos, olhei no relógio. Era fim de tarde e o crepúsculo começava seu majestoso espetáculo.
Ele olhou para mim com o olhar mais penetrante de todos. Disse: "Olha, me desculpe mesmo por hoje. Não quis envolver você nessa história. É que tudo é muito recente, não consigo imaginar como vai ser voltar a ser solteiro".
"Eu te acho maravilhoso", falei, sem querer, muito rapidamente.
Ele me observou perplexo.
"Desculpe", completei, "é que não entendo como ela pôde fazer isso com você".
Ele sorriu. Abriu um sorriso triste, que, aos poucos, foi se transformando em um olhar sombrio, que dava, novamente, lugar às lágrimas. Oh, não. Eu o fizera chorar. Peguei suas mãos e o abracei com força.
"Ah, não chore, me desculpe", sussurrei, "não foi minha intenção fazê-lo chorar". Mas seu choro continuava, cada vez mais melancólico, embora estivesse bem discreto. Desfiz o abraço e olhei em seus olhos azuis, com uma cor ainda mais bonita por causa da água que escorria. Lutando contra o desejo que surgira do contato visual, repeti: "Você é maravilhoso. Não entendo como qualquer pessoa no mundo faria isso com você. Vai passar". E soprei-lhe um leve beijo na face.
Ele arregalou os olhos, surpresos com a minha intimidade. Entretanto, o choro havia cessado. Ele secou rapidamente os olhos e pressionou seus lábios contra os meus, de forma tão espontânea que eu mal tive tempo de fechar meus olhos. Quando me dei por mim, entreguei-me e desfrutei do momento, tentando saciar-me com seus lábios, que carregavam um gosto de café amargo. O beijo deve ter durado poucos instantes, ou muitos, mas, quando ele se afastou de mim, senti que não havia sido longo o bastante. Se tivesse durado para sempre não teria sido longo o suficiente, porque eu nunca me cansaria de beijá-lo.
"Desculpe-me", ele repetiu. "Isso foi totalmente inapropriado. E é injusto com você, também".
Queria discordar, dizer que eu estava completamente de acordo com a situação, que eu achava totalmente justo tudo o que estava acontecendo, porque finalmente eu o teria, mas me contentei em concordar com a cabeça. Depois de uns minutos de silêncio, ele sugeriu que fôssemos embora e remarcássemos para um dia em que ele não estivesse tão disperso. Assenti.
Ele caminhou comigo devagar e silenciosamente até meu carro, envoltos pela escuridão que se estendia pelas ruas. Fazia frio, então eu usei uma das minhas mãos para afagar o outro braço, deixando cair meus manuscritos no chão. Abaixei-me para pegá-los e ele se abaixou também. Enquanto eu apanhava as folhas espalhadas, comecei a praguejar, para minha mesma, para que ele percebesse que aquela situação que era injusta, e não aquela vivida momentos antes. Depois de recolher tudo, voltei a ficar em pé e fingi que nada tinha acontecido.
Ao chegar no meu carro, estendi-lhe a mão e disse: "Obrigada por tudo. Suas dicas sempre são muito úteis aos meus escritos".
Ele deu um passo a frente e dissolveu toda a minha seriedade quando pegou na minha cintura, sussurrou "Eu que agradeço" e voltou a me beijar. Dessa vez, o beijo foi mais passional, mais desesperado, mais intenso. Talvez vingança para a mulher dele? Eu não me importava. Não me importava de ser a vingança, o remédio ou apenas uma casualidade, eu aceitei.
Ele me afastou de novo, mas, dessa vez, para me questionar: "Está livre para um drinque agora?"
Assenti e pensei, esperançosa, que, talvez, eu não fosse vingança, remédio ou casualidade. Talvez eu fosse, simplesmente, um novo começo para ele.
Victória Pereira Martins
29/04/2013
Gostaria de agradecer ao WillAgner que, pelos comentários que fez aqui no blog, incentivou-me a voltar a escrever.
Fiquei muito feliz pelos seus comentários e considerações e espero, do fundo do meu coração, que você continue visitando o blog. Prometo atualizá-lo mais, embora não possa fazê-lo com tanta frequência por causa da faculdade. Mas muito obrigada por despertar em mim a vontade de escrever de novo! Você deixou uma estranha muito feliz e fez com que ela recuperasse seus sonhos! =)
segunda-feira, 29 de abril de 2013
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