quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Do sétimo andar (III)

Toquei a campainha duas vezes e aguardei, impaciente. Ah, como eu fora burra! Não deveria ter dito nome algum. Eu seria desmascarada e tudo daria errado. Grande plano, Raquel! Porém a porta foi aberta abruptamente. Levei um susto quando Don apareceu sorrindo, vestido, do outro lado.
"Raquel, Raquel. Não teve paciência ao menos de marcar hora? E ainda conseguiu driblar o porteiro, coisa que ninguém nunca fez. Se tudo isso é para me ver, sinto-me lisonjeado. Quem lhe deu meu endereço? Aposto que foi a Márcia. Você tem cara de ser amiga dela. Estou surpreso, achei que ela fosse ciumenta, que não quisesse ninguém pondo as mãos sujas em mim. Não que suas mãos sejam sujas, são mãos de anjo, estou apenas repetindo as palavras dela.", e fazendo uma pausa pra respirar, "Odeio ter que lhe desapontar, meu amor, mas eu estou exausto, sabe como é. Será que podemos remarcar para amanhã? Você pode vir o horário que quiser, eu remarco as outras."
Fiquei desconcertada. Como era possível? Procurando as palavras certas, disse com calma: "Posso entrar?"
Ele sorriu, como se eu houvesse vencido, e deu-me passagem para entrar em seu apartamento. Ri, pensando que aquela era a primeira vez que eu entrava lá com permissão e sem um binóculo.

Ele ofereceu-me vinho. Ficamos sentados bebendo e conversando, até quase o fim da garrafa. Eu só queria pegar o que estava dentro da gaveta e ir embora, que inferno! A situação tomara uma dimensão muito maior do que eu planejava. Porém, entrando na pele de Raquel, convenci-me de que, já que estava lá mesmo, iria aproveitar o máximo que pudesse. Surpreendi-me quando me vi deitada na cama, sendo despida como vira tantas vezes. Ele ficou impressionado quando descobriu minha ausência de roupas íntimas, de modo que não poderia tirá-las com os dentes. Fizemos amor a noite inteira, aquele homem era insaciável. Às quatro horas da madrugada, ele virou-se e dormiu. Eu fiquei acordada, insone, pensando em todos os acontecimentos daquela noite. Quando me certifiquei de que o sono dele era pesado, vesti-me silenciosamente. Pé ante pé, caminhei até a gaveta de seu criado-mudo a fim de acabar com aquela história de uma vez por todas. Mas encontrei-a vazia. Procurei em todos os lugares possíveis, mas foram apenas tentativas frustradas.

Tive certeza de que eu precisava voltar lá. Eu voltaria quantas vezes fosse necessário até encontrar o motivo pelo qual tudo aquilo acontecera. Escrevi um bilhete para ele e, ironicamente, deixei-o em cima de seu criado-mudo. "Don, tive que ir. Se tiver um horário disponível amanhã, me liga. Depois acertamos, estou sem dinheiro.". E deixei meu telefone para contato. Esperava que aquela confusão acabasse logo, no dia seguinte ou naquela mesma semana. Mas o que eu não imaginava era que estava apenas começando.


Victória Pereira Martins
06/08/2008

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