PARA ELE
Querido D.H.R.,
espero que tenha recebido o convite do meu casamento, já que não ligou depois que o enviei. Nem acredito que já é na semana que vem: estou começando a ficar com frio na barriga. É natural, não é? Espero que não seja dúvida do "sim" ou falta de amor. Não, isso não. Quanto mais perto do grande dia chega, mais eu sinto sua falta. Fico com vontade de ir à sua casa, tentar resgatar aquilo que eu sentia com você e perguntar-me se algum dia sentirei de novo. Estou me casando com o Júlio porque o que eu sinto por ele é o mais próximo daquilo que senti com você. Infelizmente, acho que nunca sentirei o que sentia naqueles dias, no nosso último verão juntos. Ninguém nunca mais me olhou do jeito como você costumava me olhar. Nunca mais alguém me destinou tantos elogios como você costumava fazer. E duvido que alguém consiga. O Júlio é ótimo, não me entenda mal. Ele me adora, posso dizer inclusive que me venera, mas ele não é você. Ele não me surpreende todos os dias. Eu não me apaixono por ele todas as vezes em que ele se declara. Eu nem sei se tenho vontade de passar o resto da minha vida com ele. Minhas certezas tornaram-se dúvidas, embora isso não tenha sido culpa do Júlio. Foi culpa da nossa separação, minha e sua. Quando sinto que daqui a pouco estarei casada, perco ainda mais as esperanças que tenho de que talvez você não seja o amor da minha vida. Começo a pensar que casarei com um estranho, que em nada é parecido com você; que mesmo todo o meu amor por ele não representa um centésimo daquilo que senti por você. E, inútil e ridiculamente, eu fico esperando que você invada o casamento, com aquele seu jeito de querer imitar as aventuras, e, segurando-me em seus braços, diga-me que nunca deixou de me amar e que nunca vai deixar. Depois, em uma saída cinematográfica, nós fugimos para um lugar deserto qualquer e fazemos amor até o sol se pôr. Já imaginei essa cena tantas vezes que ela começou a parecer real. Às vezes pego o telefone querendo te ligar, como se nós nunca houvéssemos nos separado. Quero te contar meu dia, quero contar como é o bordado do meu vestido, quero que você me diga se escolho flores brancas ou azuis. Eu quero acordar com você e ouvi-lo dizer como lindo está o dia. Eu quero que você beije minhas pálpebras antes de dormirmos, como que agradecendo a Deus pela minha existência. Que saudade irracional de você! Eu quero você de volta.
Com amor,
F.G.P.
PARA ELA
Minha vida, meu amor, minha ilusão,
recebi o convite do seu casamento e foi como se uma parte de mim houvesse se perdido. Foi como se meu coração saísse para dar uma volta e nunca mais voltasse. Não liguei: fiquei dias pensando se o convite veio tão em cima da hora para evitar que eu comparecesse ao evento, ou se foi porque você ficou indecisa sobre enviá-lo a mim ou não. Decidi escrever-lhe porque dá a sensação de que estamos conversando, embora essa carta talvez nunca chegue. Inclusive, duvido que ela saia do armário. Tenho tantas saudades do seu beijo, do seu cabelo, das suas mãos tão pequenas que procuravam meu rosto inocentemente, do seu corpo, do seu cheiro, da sua voz. E fico tão triste quando penso que tudo isso agora pertence a outra pessoa! Queria te ligar ou até te encontrar para me desculpar por todas a besteiras que eu fiz na nossa relação, quem sabe isso consertasse tudo. Deus sabe, entretanto, que você nunca me perdoaria, afinal, você está se casando com outro. Júlio. Odeio esse nome sem ter nem o porquê. Fiquei com vontade de rasgá-lo do convite, mas me contive. Sabe, eu até iria na cerimônia para te prestigiar. Acho que quando um ser humano ama outro da maneira como eu te amo, ele chega ao ponto de conseguir estar feliz pela pessoa, mesmo que isso signifique a maior dor do mundo para si mesmo. É assim que eu me sinto. Estou feliz porque tenho certeza de que você está feliz (um convite de casamento bonito desse jeito só poderia ser de um casal que se ama muito, certo?). O problema é que seria muito doloroso para mim vê-la com outro homem, ver como ele se parece, ver que provavelmente é mais bonito que eu, e certamente mais rico também... seria doloroso demais vê-la olhando para ele tão apaixonadamente, ou mais até, como olhava para mim. Além disso, não quero lhe causar problemas. Vocês dois estão juntos há muito tempo, então ele deve saber de mim. Não sei o quanto sabe, mas quero que você tenha o dia mais feliz da sua vida. O dia que eu tanto quis lhe dar, e agora já é tarde demais. Espero que ele te trate bem. Eu a trataria como uma princesa, não só no dia, mas em todos os dias em que estivéssemos juntos, porque eu sempre preferi estar com você do que com qualquer outra pessoa no mundo inteiro. Teríamos uma casa simples - você sabe que não gosto de tanto luxo - mas seríamos muito mais felizes do que qualquer outro casal. Teríamos dois filhos (não é?), e nos esforçaríamos para passar o máximo de tempo possível em família. É, não é demais, eu sei, mas é o que eu sonhei para mim e para você. No entanto, acho que o Júlio lhe dará muito mais. Pelo menos espero. Olha, tudo o que eu queria era você de volta, mas sei que você está feliz. Não quero estragar sua felicidade, como fiz uma vez. Em meu sofrimento oculto, estou feliz por você. E ainda te amando. Hoje e sempre.
Para sempre teu,
D.H.R.
Victória Pereira Martins
27/07/2011
It's better to say too much than never to say what you need to say*
terça-feira, 12 de julho de 2011
segunda-feira, 11 de julho de 2011
Persistência
O museu estava cheio de pessoas que olhavam para os quadros como se fossem vazios, sem enxergá-los de verdade. Eu era uma delas. Não me dei ao trabalho de olhar ao redor, e caminhei até encontrar a pintura que eu estava procurando. Conhecia aquele museu muito bem: visitara-o inúmeras vezes quando cursava Artes, na Universidade de Nova York. Estranhamente, ele já não me atraía tanto quanto o fazia naquela época, tão distante na minha memória. Eu havia estudado tanto o sentido de todas aquelas obras de arte, de maneira que esquecera o quanto é belo a falta de sentido. E, ao invés de manter a busca frenética pelo sentido das coisas apenas no mundo das artes, eu transferi essa obsessão para dentro de minha vida. Deixei de apreciar os momentos singulares, e passei a querer encaixá-los em um todo que não existia. Minha vida era toda fragmentada, e eu só percebi o quanto era confusa quando decidi juntar todos os pedaços.
Dezenas de turistas se empurravam em volta do quadro. "A Persistência da Memória", de Salvador Dalí, era uma obra notoriamente conhecida, e todos queriam tirar fotos dela, e, vez ou outra, chegava aos meus ouvidos berros do guarda, advertindo aqueles que esqueciam que flashes eram proibidos. Sentei-me um pouco distante da confusão, como que para apreciar o caos. Era irônico eu ter marcado o encontro justo na sala daquele quadro. Afinal, a minha história com a pessoa que viria me encontrar encaixava-se perfeitamente ao título do quadro. Nós persistíamos em algo que não era real, e que nunca seria. Fora real em outro tempo, que parecia ainda mais distante do tempo em que Dalí pintara o quadro. Sem conseguir seguir em frente, nós mantínhamos a memória como um refúgio, como uma desculpa para continuar nos encontrando. No entanto, tudo aquilo parou de fazer sentido para mim. Todos os olhares e todos os beijos eram vazios, porque nós dois não éramos mais aqueles dois adolescentes apaixonados. Eu comecei a sentir que a pessoa que eu amava não mais existia. Para mim, o vazio de sentido era muito pior do que seria nossa separação. Eu simplesmente não podia conviver com o vazio: era algo que me dava horror. Convidei-o a um passeio pelo museu para lhe dizer aquilo. Escolhi o museu porque me sentia segura lá; porque sentia que era o único lugar onde tudo fazia sentido.
Ele chegou e sentou-se ao meu lado. Aquilo seria mais difícil do que eu imaginara: ele era dono da galeria onde eu expunha meus quadros amadores, já que qualquer outra não aceitaria expô-los. Talvez nós teríamos que continuar nos vendo. Olhei em seus olhos e sorri. Não sabia o que fazia menos sentido: nosso relacionamento ou ter que abandoná-lo. Mesmo cercada de tantas obras, que faziam sentido na minha cabeça, eu me senti vazia. Percebi que eu própria era vazia de sentido. Sempre fora e sempre seria. Porém, eu não havia escolha a não ser conviver comigo mesma. Já com ele, não era mais possível. Eu estava tentando não encará-lo quando ele aproximou-se para pegar minha mão. Afastei-me. Ele me olhou confuso.
"Não posso mais", eu disse. Sua expressão não mudou. "Desculpe, mas nada disso se encaixa. Nós dois fizemos sentido em uma época remota. Agora, parece que estamos insistindo em uma história que acabou".
Ele acenou com a cabeça, nem um pouco abalado com minhas palavras. E eu esperava que ele persistisse ao menos um pouco nas nossas memórias, mas não. Ele parecia aliviado, pelo contrário. Parecia que eu o havia liberado de alguma obrigação surreal de ficar ao meu lado. É, acho que, afinal, eu havia mesmo. Eu, também, estava livre. Nada daquilo fez sentido, não consegui encontrar explicação para nada e não me importei. Não me desesperei tentando juntar os pedaços e descobrir o porquê de sua indiferença. Não gastei um único neurônio cerebral para questioná-lo sobre sua tranquilidade.
"Vou mudar a exposição na galeria", ele disse. "A sua está há muito tempo e não há mais ninguém frequentando o lugar. Passe para retirar seus quadros assim que puder". A princípio, as palavras me preocuparam. O que eu faria dali em diante? Meus quadros eram medíocres, o sentido deles era assaz explícito. Não me importei. Acenei com a cabeça: isso aconteceria mais cedo ou mais tarde. Eu só precisava pintar novos quadros, procurar novas galerias e me refugiar em novos museus. Tudo ficaria bem, afinal. Levantei-me para ir embora.
O museu estava cheio de pessoas que olhavam os quadros sem alguma perspectiva de futuro, esperando que suas vidas não fossem tão vazias quanto aqueles quadros aparentavam. Entretanto, eu não mais era uma delas.
Victória Pereira Martins
11/07/2011
Dezenas de turistas se empurravam em volta do quadro. "A Persistência da Memória", de Salvador Dalí, era uma obra notoriamente conhecida, e todos queriam tirar fotos dela, e, vez ou outra, chegava aos meus ouvidos berros do guarda, advertindo aqueles que esqueciam que flashes eram proibidos. Sentei-me um pouco distante da confusão, como que para apreciar o caos. Era irônico eu ter marcado o encontro justo na sala daquele quadro. Afinal, a minha história com a pessoa que viria me encontrar encaixava-se perfeitamente ao título do quadro. Nós persistíamos em algo que não era real, e que nunca seria. Fora real em outro tempo, que parecia ainda mais distante do tempo em que Dalí pintara o quadro. Sem conseguir seguir em frente, nós mantínhamos a memória como um refúgio, como uma desculpa para continuar nos encontrando. No entanto, tudo aquilo parou de fazer sentido para mim. Todos os olhares e todos os beijos eram vazios, porque nós dois não éramos mais aqueles dois adolescentes apaixonados. Eu comecei a sentir que a pessoa que eu amava não mais existia. Para mim, o vazio de sentido era muito pior do que seria nossa separação. Eu simplesmente não podia conviver com o vazio: era algo que me dava horror. Convidei-o a um passeio pelo museu para lhe dizer aquilo. Escolhi o museu porque me sentia segura lá; porque sentia que era o único lugar onde tudo fazia sentido.
Ele chegou e sentou-se ao meu lado. Aquilo seria mais difícil do que eu imaginara: ele era dono da galeria onde eu expunha meus quadros amadores, já que qualquer outra não aceitaria expô-los. Talvez nós teríamos que continuar nos vendo. Olhei em seus olhos e sorri. Não sabia o que fazia menos sentido: nosso relacionamento ou ter que abandoná-lo. Mesmo cercada de tantas obras, que faziam sentido na minha cabeça, eu me senti vazia. Percebi que eu própria era vazia de sentido. Sempre fora e sempre seria. Porém, eu não havia escolha a não ser conviver comigo mesma. Já com ele, não era mais possível. Eu estava tentando não encará-lo quando ele aproximou-se para pegar minha mão. Afastei-me. Ele me olhou confuso.
"Não posso mais", eu disse. Sua expressão não mudou. "Desculpe, mas nada disso se encaixa. Nós dois fizemos sentido em uma época remota. Agora, parece que estamos insistindo em uma história que acabou".
Ele acenou com a cabeça, nem um pouco abalado com minhas palavras. E eu esperava que ele persistisse ao menos um pouco nas nossas memórias, mas não. Ele parecia aliviado, pelo contrário. Parecia que eu o havia liberado de alguma obrigação surreal de ficar ao meu lado. É, acho que, afinal, eu havia mesmo. Eu, também, estava livre. Nada daquilo fez sentido, não consegui encontrar explicação para nada e não me importei. Não me desesperei tentando juntar os pedaços e descobrir o porquê de sua indiferença. Não gastei um único neurônio cerebral para questioná-lo sobre sua tranquilidade.
"Vou mudar a exposição na galeria", ele disse. "A sua está há muito tempo e não há mais ninguém frequentando o lugar. Passe para retirar seus quadros assim que puder". A princípio, as palavras me preocuparam. O que eu faria dali em diante? Meus quadros eram medíocres, o sentido deles era assaz explícito. Não me importei. Acenei com a cabeça: isso aconteceria mais cedo ou mais tarde. Eu só precisava pintar novos quadros, procurar novas galerias e me refugiar em novos museus. Tudo ficaria bem, afinal. Levantei-me para ir embora.
O museu estava cheio de pessoas que olhavam os quadros sem alguma perspectiva de futuro, esperando que suas vidas não fossem tão vazias quanto aqueles quadros aparentavam. Entretanto, eu não mais era uma delas.
Victória Pereira Martins
11/07/2011
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