terça-feira, 9 de junho de 2015

Memórias de um romance esquecido

Recebi aquela ligação com as mãos trêmulas. Só de ler seu nome no visor do meu celular já me dava calafrios. A verdade é que eu passara meses esperando saber dele, esperando receber notícias suas. E ver aquele nome enquanto o celular vibrava contra as minhas palmas acalmava minha mente ao mesmo tempo em que acelerava meu coração. Ou acalmava meu coração enquanto confundia meus pensamentos. Não tenho certeza. Só sei que, depois de tanto tempo esperando aquele telefonema, ele parecia um tanto quanto irreal. Então foi assim que eu me senti.

Deslizei o dedo para atendê-lo, no mesmo momento em que levantava da minha mesa, para não incomodar as outras pessoas no escritório. Caminhei até o corredor e pareceu durar uma eternidade o intervalo entre colocar o telefone no ouvido e dizer “alô”.

“Alô”, eu disse, e imediatamente me arrependi de ter soado duvidosa. Acho que eu esperava que fosse apenas uma coincidência, uma ligação por engano, ou, pior, uma brincadeira de muito mau gosto.

“Oi!”, ele respondeu, alegre. “Como você está?”

Fiquei tão perplexa, que a minha demora fez com que ele não aguardasse a resposta. E continuou a falar, como se, no fundo, ele não se importasse como eu estava me sentindo.

“Estou ligando porque tenho boas notícias. Demorou para me retornarem, mas eu consegui o emprego. Acho que agora seremos colegas de profissão”.

Respirei fundo, em uma mistura de alívio e desespero. Eu havia esperado por isso tanto tempo, imaginando que, talvez, a admissão dele no meu escritório nos reaproximasse, mas agora já não tinha tanta certeza. Talvez a convivência diária com ele só serviria para me lembrar da semana que passamos juntos. Uma semana que eu tentava esquecer.

“Parabéns”, respondi, com sinceridade. “Eu sabia que conseguiria. Quando você começa?”

Eu que o havia indicado àquela posição na empresa. Quando ainda éramos amigos, e não estranhos conhecidos. Antes de tudo se tornar o caos em que eu me colocara. Lembrei da época em que as coisas eram simples, em que conversar com ele era tão fácil, porque eu não procurava sinais em suas palavras, e tampouco policiava as minhas, com medo de parecer insinuações. Uma época antes de complicar tudo com sexo e sentimentos. Esses últimos só da minha parte, porque, se ele compartilhasse o que eu sentia, as coisas seriam bem mais simples.

Ele me respondeu que começaria na semana seguinte, e, depois de breves despedidas, desliguei o telefone. Eu sabia que aquilo era o máximo que escutaria dele naquela semana. Pelo menos até ele começar a trabalhar no mesmo escritório, no andar debaixo.

Apesar da distância física, trabalharíamos no mesmo prédio e aquilo me desconcertava. Eu não sabia como lidaria com a proximidade de uma pessoa que eu me esforçava tanto para esquecer. Ainda doía lembrar da boca dele sobre a minha, de nossas pernas entrelaçadas naquela noite gelada, enquanto ele, tão gentilmente, me possuía e sussurrava palavras carinhosas. Ainda me perseguiam os pensamentos das manhãs em que acordamos juntos e ele me abraçou na cama como se eu fosse o que mais importava para ele naquele momento. Eu ainda conseguia sentir o ponto da minha testa que ele beijara com tanta ternura ao se despedir. E o pior de tudo era saber que, mesmo depois de uma semana maravilhosa, de tanta intimidade e atenção, ele havia preferido desaparecer no mundo e me deixar indagando o que eu fizera de errado. Demorou tempo até demais para eu perceber que a única culpa que eu tinha era a de querer compartilhar a minha vida com alguém que só queria compartilhar orgasmos.

Depois de uma semana muito demorada, chegou o dia em que ele começaria a trabalhar no escritório. Escolhi minha melhor roupa e arrumei meu cabelo da melhor maneira possível. Se eu o encontrasse, apenas gostaria que ele se questionasse do porquê me deixou partir, apesar de saber que esses devaneios não o assombrariam.

Quando cheguei no prédio, ele aguardava na sala de espera. Alto, de terno, com o mesmo olhar intenso com que ele me encarara nas nossas noites de intimidade. Caminhei até ele e ele levantou os olhos do celular.

“Olá”, disse, com um abraço. “Bem-vindo!”

Ele sorriu, agradecido.

“Obrigada”, respondeu, e me olhou demoradamente, sem dizer se eu estava bonita ou se era bom me ver.

“Enfim”, eu disse, quebrando o silêncio constrangedor, “se precisar de qualquer coisa, me fala, tá?”

Ele sorriu e agradeceu novamente, e eu o deixei sozinho para me dirigir à minha sala e focar no trabalho.

A semana passou e, algumas vezes, nos encontramos no elevador. Conversávamos amenidades. Eu perguntava como estava indo o emprego novo, e ele me respondia seca e brevemente.

As memórias daquela semana começaram a me perseguir cada vez mais. Das noites que passamos conversando, quando eu despi meu coração para ele, e não apenas meu corpo. Quando ele me contou de sua família e compartilhou seus planos para o futuro. Nós sabíamos tanto um do outro e, ao mesmo tempo, nada. Naqueles breves momentos em que nos víamos no elevador e conversávamos, dava a impressão que ele era uma outra pessoa. Que eu me apaixonara por alguém que não existia materialmente, que existia apenas na ideia que eu criara.

Eventualmente, não foram só as memórias que invadiam minha mente. Começaram a me consumir, também, as coisas que não aconteceram. A ligação que ele poderia ter feito depois da semana que passamos juntos. O jantar que poderíamos ter tido alguns dias depois. A festa na minha casa em que ele conheceria meus pais. A viagem que faríamos juntos no final do ano.

Aquela semana poderia ter sido só o começo da felicidade. Porém, foram apenas fragmentos de alegria e o prelúdio de uma vida nostálgica.

Como ele conseguia me ver todos os dias no elevador e não lembrar das noites que tivemos? O sexo foi maravilhoso, mas a conversa também. Será que só para mim era difícil encontrar alguém com quem o riso é natural, a convivência, leve, e o coração se sente em paz? Como poderíamos jogar aquilo no lixo?

Um dia, em uma sexta-feira, depois de uma semana árdua de trabalho, com muito estresse e pressão, entrei no elevador para ir para casa. Já passara muito do horário do expediente. O elevador parou no andar de baixo e as portas se abriram. Era ele. Com um olhar cansado, porém suave. Acho que ele tivera uma semana melhor que a minha.

Ele sorriu e me cumprimentou. Fiquei com vontade de olhar para ele e gritar: “o que eu fiz de errado? Por que você sumiu? Eu não sou boa o suficiente para você?”, mas apenas fiquei parada em meu canto enquanto ele entrava pelas portas.

E, então, quando as portas se fecharam, ele pegou na minha cintura e me puxou para si. Colocou os lábios sobre os meus e pressionou-os de uma maneira carinhosa e, ao mesmo tempo, sedutora. Deixei-me ser guiada por aquele beijo que durou segundos, enquanto o elevador deslizava pelos andares do prédio.

O movimento de descida pareceu muito como o chão desabando sob meus pés. E eu nada fiz - parecia que uma força magnética me impulsionava a beijá-lo, apesar de saber que, emocionalmente, aquilo me destruiria.

Minha mente foi invadida de tudo o que não vivemos. Todo o amor desperdiçado. O relacionamento que poderíamos ter tido, que eu tinha certeza de que valeria a pena. Todos os beijos roubados e abraços apertados. Todas as manhãs acordando ao seu lado. Todo o potencial que aquele beijo guardava… e tive medo dessas sensações me assombrarem para sempre.

Quando ouvimos o “bipe” do elevador chegando ao térreo, ele me soltou e, sem se despedir, saiu pelo corredor e para fora do prédio. Fiquei alguns momentos parada até conseguir processar aquele beijo. Eu sabia que havia sido algo isolado, e que, por mais que eu checasse meu celular pelo resto da noite, a mensagem ou a ligação nunca chegariam.

Eu não queria viver assim para sempre. Frustrando-me após demonstrações pontuais de afeto. Desejando sumir nos períodos em que ele sumia. Indagando o que eu fizera de errado, apesar de não poder atribuir a mim a culpa de sua indisponibilidade afetiva. Lágrimas escorreram do meu rosto e eu percebi que aquela era a conclusão de que eu precisava para uma história de amor tão breve.

Depois de alguns minutos absorta em meus devaneios, respirei fundo e comecei a caminhar até meu carro, enquanto a brisa gélida beijava meu rosto, e não mais o cortava.

Quando, segundos depois, meu celular começou a vibrar nas minhas palmas, não tremi, minhas pernas não vacilaram e meus olhos não se apressaram em olhar o visor. Apertei o botão de silenciar e pensei “chega”. Agora chega.


Victória Pereira Martins
07 e 09/06/2015

"There's no starting over
without finding closure..."

Um comentário:

Will Agner disse...

Mas... Mas...

Esplendido.