quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Ao desmanchar das ondas

Com passos cautelosos, ela caminhou até a praia. Como que com medo da areia, como se nunca houvesse pisado antes naquela imensidão de água salgada. Colocou os pés vacilantes no mar gelado. Uma onda quebrou, inesperadamente, fazendo encharcar a barra da calça jeans surrada. A temperatura era baixa, a menina arrepiou-se da cabeça até os dedos dos pés. Hesitou ao tentar sorrir, mas sorriu. E ao fazê-lo, gargalhou. Havia muito que não experimentava tal felicidade. Mal acreditava na sorte.
Tentou contar nos dedos quanto tempo faltava para as seis da tarde. Entristeceu-se, porém momentaneamente, ao concluir com pesar que ainda restavam duas horas. Sentou-se na areia molhada, e retirou uma foto emoldurada da bolsa. Era a foto dos dois juntos. A primeira e única que eles tinham. Não fora muito bem tirada, a intenção era parecer espontânea, mas o fotógrafo não conseguiu exceder a expectativa. Sem contar que na mão que acariaciava o rosto da mulher reluzia uma aliança, fazendo-a ter com relutância essa memória repentina toda vez que apreciava o retrato: ele era um homem casado. Era fato que, certa vez, ele jurara a ela que não amava a esposa. Prometeu calorosamente, só faltou ajoelhar-se, que um dia largaria a mulher e ficaria com ela. Somente com ela. A princípio, ela duvidou. Sabia que era tudo conversa, que no fundo ele era louco pela companheira.
Depois de pensar, usar parcialmente a razão, achou a idéia razoável. Afinal, ela era alguns bons dez anos mais nova que a mulher. Ou mais. Talvez a outra tivesse mais que trinta. Nesse caso, elas teriam doze anos de diferença. A garota, sentada na praia quase deserta à medida que escurecia, acabara de fazer dezoito.
Olhou no relógio: seis horas. Eles haviam combinado de se encontrar naquele horário, naquele lugar. Ela pegara um ônibus com o dinheiro que estava contado e partira. Ele era um homem rico, compraria uma casa para os dois na praia, como prometera. Assim como a tarde, a temperatura também caía. A jovem, de pés descalços e molhados, começara a sentir frio. Sem nenhuma vestimenta adicional, a opção foi enterrá-los na areia.
Abriu uma revista, uma das poucas coisas que tinha na bolsa, porém não conseguiu ler. Estava impaciente. Ele estava atrasado e não era de se atrasar. Olhou em volta. Não havia mais quase ninguém, até os vendedores de sorvete já estavam abandonando seus postos. Frio, medo, escuro. E ela sozinha lá.
Consultou o relógio novamente. Já passara das sete. Então lhe ocorreu: ele não iria. Talvez fora apenas um plano mal elaborado, um jeito de fazer com que ela permanecesse longe. Longe da segurança do lar dele, do conforto que tinha com a família. Virou-se, esperou estar errada, esperou ver a luz do farol de um carro, esperou vê-lo correndo, pedindo desculpas pelo atraso. Ficou esperando isso acontecer mais tempo do que deveria. Eram oito horas.
Caminhou em direção à água até molhar os joelhos. Olhou para o horizonte.
Viu o mar. E atrás as montanhas. Viu até o inexistente. Só não viu o que queria ver.


Victória Pereira Martins
08/11/2007


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;*

3 comentários:

Anônimo disse...

não é mais "escassa"... (rs)... olhe, gosto do andamento que dá ao texto da moça na praia...escrever realmente salva... pensei que, ao final, ela começaria a caminhar em direção à água, mas me surpeendi, ela não o fez, talvez por já ter chorado bastante... seu texto de sustância, parabéns! - beijo / don henrique

Anônimo disse...

Viu até o inexistente. Só não viu o que queria ver.
Que final! Adorei! Concordo com o Don (XD), eu também esperava que ela entrasse na água (alguém consegue dizer suicídio?).
Você melhora a cada texto...
Estou te devendo os meus. Tanto meu microconto (ja tenho a idéia) quanto o meu pseudolivro.
De qualquer forma, parabéns! Continue escrevendo.
Longos dias e belas noite.

Assinado: Você sabe quem...

Liih Pereira disse...

Só tenho uma coisa a dizer: genial !

amo vc ;*