quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Santa chuva

A chuva caía torrencialmente naquela noite. Quando reinava o pouco silêncio que conseguíamos fazer, dava para ouvir o desespero com que ela batia no chão. A temperatura estava tão elevada naquela época do ano, a ponto de ser um alívio a água gotejante que refrescava o ambiente. Músicas antigas saíam do velho aparelho de rádio, ligado à tomada em um canto qualquer. Mas o excesso das risadas e a vontade de falar todos ao mesmo tempo, fazia com que aquele som parecesse distante.

Eu costumava pensar que doses de felicidade eram o começo dela, quando na verdade, não passavam de pequenos fragmentos, separados pelo tempo. Porém, naquele dia em especial, isso não passou pela minha cabeça um segundo sequer. Deixei a alegria inundar meu corpo, as sensações tomarem o lugar dos pensamentos e os sorrisos, vindos de todos os lados, me contagiarem.

A noite caía junto com a chuva. Os olhares trocados tinham o leve gosto da proibição. As mãos, sedentas pelo toque, ocupavam-se em outra atividade, como brincar com o mexedor da bebida ou dedilhar as cordas do violão. Bocas, à espera do beijo, cantavam disfarçando o desejo. Mas os olhos não se controlavam e várias vezes, sem perceber, um não conseguia tirá-los do outro, como se essa simples demonstração da vontade já fosse uma realização da mesma.

Demorou, demorou mais do que eu planejava. Talvez só tenha demorado na minha concepção de espera. Todos já haviam ido embora, e só restamos nós dois, sentados do lado de fora, porém protegidos da chuva. O engraçado é que ficamos a noite inteira sem parar com o galanteio ocular, mas quando finalmente ficamos sozinhos, mal conseguíamos encarar um ao outro.

Ele sorriu. E era seu maior mecanismo de defesa, pois mesmo quem estivesse com a pior das intenções, iria encapacitar-se de realizar seu feitio pela tamanha grandeza do poder que aquele sorriso exercia. Sentei-me ao seu lado à mesa redonda de granizo, a qual congelava minhas mãos em contraste com a noite que se tornara gélida. Como de costume, ele colocou um cigarro na boca, alimentando seu insaciável vício, ficando ainda mais sedutor - se é que era possível - e me olhou como se não nos víssemos havia anos. Seus olhos penetravam nos meus, aquele olhar viciante, capaz de conquistar quem quer que fosse.

Ele sussurrou meu nome. Nossos lábios se tocaram. Foi como se o mundo tivesse parado, porque até hoje não sei quanto tempo durou. Passaram-se minutos, quem sabe horas, ou então muitos dias. Ele me abraçou e eu fiquei lá, envolvida em seus braços aconchegantes. Lembro-me que ficamos alguns minutos contemplando a noite linda que parecia não acabar mais. E eu desejava que não acabasse mesmo.


Victória Pereira Martins
19/12/2007

Um comentário:

Anônimo disse...

Eu leio e releio...e não sei por que motivo...tenho certeza que ja "assisti" ou até mesmo viví esse conto...esse momento! =)

e agora!?