Liguei o chuveiro e deixei a água bater com força sobre mim. Fiquei uns bons minutos lá embaixo, com a intenção de que o banho não limpasse apenas meu corpo, mas a minha alma. O dia fatigante que eu tivera merecia toda a cerimônia dramática. A água que escorria sobre minha pele parecia uma letargia que se espalhava mais à medida que eu esfregava o sabonete fosco, fazendo com que a região ficasse vermelha, quase em carne viva. Quando o vapor começou a cessar, reduzi todo o jato a pequenas gotículas e as incentivei a pingarem em meu nariz, em meus cabelos emaranhados e em todo o caminho da minha vértebra, até chegarem às áreas mais íntimas, congelantes. Não preocupei-me em enrolar uma toalha sobre qualquer parte da minha estrutura encharcada e segui em direção a outros aposentos, nua, deixando um rastro sugestivo por onde eu passava.
Escolhi o melhor vinho de minha modesta adega e servi duas taças. Com uma em cada mão, fui cambaleante até a sala de estar, cujas portas envidraçadas permitiam uma visão nítida de todo o apartamento em frente ao meu. Indiferente à ausência de qualquer peça de roupa, sentei-me naquela gigantesca poltrona e tomei todo o conteúdo de uma das taças em um gole só, e em seguida pousei ambas em uma mesinha de cabeceira que eu estranhamente deixava na sala. Ao lado dos cálices, um grande binóculo aguardava ansioso o momento de entrar em contato com meus olhos famintos. Decidida a deixá-lo esperando mais alguns minutos, apaguei todas as luzes como forma de camuflagem e fui assistir a meu show noturno e diário.
Como o relógio denunciava apenas oito horas da noite, deduzi que o espetáculo havia começado cedo naquele dia. O homem careca de pele morena já despia a camisa quando eu penetrei em seu apartamento, intrusa. Em pé a sua frente, uma mulher de cabelos louros e estatura média o ajudava a fazer isso com mais rapidez, e parecia já estar gemendo de prazer só pelo gesto sutil. Depois de atirá-la na cama com hostilidade, ele despojou-a inteira com uma fome insaciável, tendo o cuidado de retirar suas peças íntimas com os dentes. Eu assisti àquilo com certa monotonia, já que o havia visto repetir aquelas manobras com outras mulheres, senhoras e até meninas. O único motivo pelo qual eu insistia em ver toda a sensualidade que envolvia o apartamento em frente ao meu era meu desejo de estar na pele de qualquer uma que ele já houvesse possuído.
Horas depois, quando a mulher já havia ido embora e ele estava deitado nu na cama, envolto por aquele frenesi solitário, agarrei minha câmera fotográfica. Nela estava toda a aspiração na qual eu nunca tivera coragem de investir. Eu mal sabia usar todas aquelas funções exuberantes que não me diziam nada, mas por detrás daquelas lentes, o mundo aparentava ser um pouco mais belo. Esperei até que ele olhasse acidentalmente para o lugar onde eu estava e consegui captar aquele olhar desconcertante. Fantasiei que talvez ele estivesse realmente me enxergando e, devoto, devorando cada centímetro do meu corpo excitado com aqueles olhos invasivos. Porém, um gesto repentino daquele homem interrompeu meus pensamentos. Ele abriu a gaveta de uma mesa próxima à sua cama e retirou lentamente algo lá de dentro. Com um close da câmera, consegui descobrir o que era. Quando o fiz, derrubei o aparelho fotográfico que estava em minhas mãos, e este caiu no chão. O baque surdo da queda abafou meu grito silencioso.
Victória Pereira Martins
05/07/2008
Parte II em breve ;)
segunda-feira, 26 de maio de 2008
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Um comentário:
Vc já postou o texto a algum tempo mas eu só li hoje XD
Eu gostei, pra falar a verdade adorei... Esse final foi ótimo eu tava esperando a revelação mas vc não disse XDDDD
Eu adorei eu pensei em tantas coisas que ele podia tirar da gaveta (não sei se era sua intenção) mas gostei mesmo... Continue escrevendo
bjos
ALex
Postar um comentário