segunda-feira, 27 de julho de 2009

Terceira rodada

Disquei o número, mesmo sabendo que não deveria. Fiquei olhando para a tela do celular antes de levá-lo ao ouvido. Ouvi chamar por vários segundos; ninguém atendia. Apertei o botão para finalizar a chamada antes mesmo de ouvir a mensagem da caixa postal. Não nos víamos já havia quase seis meses. Ele ressurgira em minha vida duas semanas atrás: nossos amigos em comum me diziam que ele sentia minha falta, que queria me ver. E mesmo assim, só nos comunicávamos por torpedos ou internet. Faltava-me coragem para contatá-lo, mas com o alto nível de álcool no sangue, nada mais importava. Deixei o celular em cima da mesa da cozinha e sentei-me em uma cadeira para tirar minhas botas, cujo salto machucava meus pés.

Abri a geladeira e coloquei água em um copo. Ainda conseguia sentir em minha boca o gosto do beijo daquele homem com quem me encontrara naquela noite. Era um beijo ácido; passando a língua pelo céu da boca, me lembrei de quando ele cravou os dentes em meus lábios. Sorri ao lembrar dele: embora não significasse nada além de uma válvula de escape - apenas uma ocupação para a minha mente, ele me proporcionara uma diversão imensurável. Talvez nunca mais nos víssemos, talvez ele me ligasse no dia seguinte. De qualquer forma, podíamos sempre nos esbarrar em nossa rua nos feriados em que ele passava na minha cidade. Bebi a água de um gole só.

Sentei-me à mesa. Fazia tanto tempo que eu não tinha conturbações na minha vida amorosa, que eu nem sabia como agir. Lágrimas escorreram calmamente pela minha face. Era como se elas sempre estivessem ali, como se elas fizessem parte de mim, porque meu corpo mal sentiu a presença. Meu celular começou a vibrar em meus dedos. Olhei para o número na tela, o que me fez chorar com mais força. E o choro me deixava, fisicamente, sem força alguma. Era minha vez de não atender. Toda vez que eu aceitei sua ausência, cada segundo que eu aprendi a conviver sem tê-lo por perto desceram pelo ralo, pela pia, se perderam embaixo do tapete da cozinha. Doíam minha cabeça, minhas juntas, meus dedos, que agarravam o celular com raiva. Ele não deveria ter voltado. Não naquela hora, quando eu estava feliz, bem resolvida, quando tudo finalmente havia se encaixado na minha vida. Pois bem, eu já o havia perdido duas vezes e superado. Talvez não fosse assim tão difícil vencer a terceira rodada. Desliguei meu celular.

Tentei me concentrar no outro homem. Pensei em seu corpo, em suas mãos envolvendo meu cabelo, em sua boca colada à minha. Tinha alguma coisa nele que prendia minha atenção, roubava meus pensamentos de qualquer outro problema e virava-se exclusivamente para ele. Talvez nós dois pudéssemos sair no dia seguinte novamente, ele poderia ser a minha salvação, a pessoa que me ajudarie a esquecer. Esquecer de tudo. Enlacei meus braços em volta de mim, senti que estava gelada como pedra. Ele me fazia esquecer de tudo mesmo, inclusive de meu casaco em sua casa. Coloquei minhas botas novamente. Seria um bom pretexto para voltar lá.

Antes mesmo de fechar o zíper das botas pretas aveludadas, ouvi uma suave batida na porta. Ignorei, talvez fosse o vento que soprava demasiado naquela noite. Levantei-me e caminhei até a sala para pegar minha bolsa. Ouvi uma segunda batida, dessa vez mais intensa. Suspirei. Quem seria, àquela hora? Andei com receio até a porta, vi uma silhueta masculina. Perguntei quem era, e ele só riu, fazendo-me reconhecê-lo na hora. Destranquei a fechadura e coloquei a mão na maçaneta. Respirei fundo ao abrir a porta. E antes mesmo de trocarmos uma só palavra, ele me puxou para perto e beijou meus lábios de um jeito que nunca havia beijado.


Victória Pereira Martins
27/07/2009

Um comentário:

Nathy Martins disse...

Já disse que a MINHA irmã é uma gênia reprimida? Pois digo JÁ!

Ela é uma gênia reprimida ;)

trate de sair do armário, benhê!!
hahahaha²

AMO você!

=**