Ele segurou minha mão após cumprimentar-me com um beijo no rosto. Era a primeira vez que nos víamos de verdade e aproveitamos para fazê-lo com cuidado e minúcia, certificando-nos que nenhum detalhe escaparia a nossos olhos. Era uma noite de inverno, mas não ventava. Eu usava uma calça jeans e uma blusa de manga comprida que não me caíam bem. Na verdade, aos doze anos, nada me caía bem. O jeans era apertado na cintura e largo na perna, a roupa não combinava com meu par de tênis velhos e minhas sobrancelhas eram grossas demais. Mesmo assim, ele segurava a minha mão e me olhava apaixonado, como se nunca houvesse olhado assim para alguém antes.
O garoto tímido puxou-me para si e, segurando-me pela cintura, levou-me ao outro lado da calçada. A rua estava deserta. Sentamo-nos em frente a uma árvore pequena, porém imponente, que, sobre nossas cabeças, censurava nossos olhares ao balançar seus galhos, mesmo naquela noite sem vento. Ficamos algum tempo sem falar, embora nossas mãos estivessem entrelaçadas com paixão e desespero. Após certo tempo, começamos a conversar. Os assuntos davam voltas sobre nossas vidas mas evitávamos conversar sobre nós ou sobre os últimos seis meses que passamos em um relacionamento virtual sem que, durante todo o tempo, encontrássemos-nos.
Ninguém nunca havia me amado, mas, aos doze anos, quem amaria? Eu era desengonçada e meus cabelos eram curtos, diferente das meninas do colégio. Elas eram loiras, os cabelos até a cintura, sem contar o brilho. Que brilho tinham seus cabelos! E elas atraíam olhares de todo o colégio: eram confiantes. Eu não. Eu era normal.
Ele não parava de me olhar e comentar sobre o primeiro dia que me vira, aquele em que, segundo ele, havia se apaixonado por mim. Eu ria divertida e ingênua, acreditando em todas as palavras que eu julgava serem reais. Aos doze anos, eu não cogitaria que poderiam não ser. Mas eram. Ele falava com toda a doçura do mundo, acariciando meus ombros e beijando minhas mãos. Eu olhava para a lua e tentava entender porque eu merecia toda essa felicidade transbordante, esta que eu poderia apostar que nenhuma garota do colégio jamais tivera.
Além da felicidade, eu também sentia medo. Medo do desconhecido, medo porque eu era ingênua: sentia um medo agradável; aos doze anos, ninguém sente medo de verdade. Não era medo do envolvimento, como hoje é, era medo da iniciação, das sensações nunca sentidas, do toque da mão quente do garoto tímido. Medo porque eu mal o conhecia, embora o conhecesse bem demais. Era a primeira vez que nos víamos e parecia que também seria a última, tamanha era a força com que nossas mãos se acariciavam. Tamanho era o desejo nos lábios, temerosos mas curiosos para conhecerem um ao outro. Para se encontrarem. Para absorverem o prazer, absolverem o medo e tudo sublimar-se em amor.
Quando a lua estava bem alta no céu de inverno, nós nos olhamos e, antes que eu pudesse me esquivar de seus lábios sedentos - e desejáveis - ele me beijou. Beijou-me longamente enquanto eu tentava respirar e tocava minha face enquanto eu implorava para o meu coração bater com mais calma. No entanto, ele não me obedeceu e tampouco o menino parou de me beijar, então deixei que o meu medo se dissolvesse e se convertesse em ansiedade atrasada. Tentei não pensar em nada, mas milhões de coisas me vieram à mente. Era a primeira vez que eu era beijada.
O beijo fez a sensação de não conhecê-lo desaparecer. Quando nossos lábios separaram-se e abrimos os olhos, observei-o como se nos conhecêssemos desde sempre. E, depois do beijo, talvez nos conhecêssemos mesmo, talvez até muito antes dos seis meses passados, porque ser beijada me disse muito mais coisa sobre ele do que ele próprio me dissera em todo aquele tempo. E me disse muita coisa sobre mim também. Fez-me perceber que eu não me importava de não ser loira ou linda como as meninas do colégio. Eu só me importava com o que eu tinha ali e naquela hora.
Não me lembro depois de quanto tempo nós nos despedimos e fomos dormir, nem quanto nos beijamos, nem sobre o que conversamos. Só me lembro que, aos doze anos, graças àquele menino, eu não queria ser ninguém que não fosse eu mesma. Naquele momento, eu só queria ter doze anos e continuar sendo beijada pelo garoto que fazia eu me sentir amada. Enquanto nos beijávamos, eu o mantinha junto a mim para assegurar que ele não iria embora enquanto meus olhos estivessem fechados.
Victória Pereira Martins
18/02/2011
sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011
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Um comentário:
Aos meus 12 anos eu brincava de corrida de carrinhos em pistas desenhadas com giz no carpete do quarto e correr atrás de pipa nas ruas. Seus textos mostram como a maturidade ocorre em diferentes momentos entre homens e mulheres. Mostra também que talento é algo que não se compra ou se copia.
Parabéns por mais um texto excelente.
=**
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