Eu entrei na aula atrasada e, estranhamente, ele começou a sorrir. Ficou em silêncio até que eu me dirigisse ao meu lugar, no canto direito da sala, mas ainda na frente. Como se interrogasse se eu estava confortável, ele assentiu com a cabeça e recomeçou seu discurso, porque, afinal, tamanha habilidade de articulação só poderia ser descrita como um discurso, e não como uma simples conversa, o que era de fato. Ele contava alguma história, sem nexo para mim, mas que meus colegas achavam engraçado. Demorei uns segundos para entender o tema da aula, porque sua beleza me desconcertava. Enquanto eu obrigava minha mente a se focar apenas no que ele estava falando, e não em seus lábios desejosos, ele evitava olhar para mim. Percebi que tentava me observar pelo canto do olho, medindo meus braços à procura de algo em minha bolsa, e, sutilmente, achando graça quando eu cruzei minhas pernas desnudas e geladas por causa do vento frio daquela época do ano.
Ele era nosso professor mais descontraído. Não se importava nem se dirigia a nós autoritariamente quando nos via conversando ou mexendo no celular. Não estalava os dedos em uma tentativa de chamar a nossa atenção, porque, de alguma forma, ninguém conseguia se distrair ou se esquivar daquilo que ele estava falando. Pergunto-me se era pelo tema da aula ou pela intensidade com que ele explicava, como se aquilo que ele dizia dependesse de nossas vidas. Só sei que eu tinha muitos motivos para não tirar meus olhos de seu corpo ereto, e podia até enumerá-los: seus olhos, seu sorriso perfeito, sua malícia, sua ironia, sua risada contagiante, suas mãos grandes que eu imaginava sobre mim e a maneira como ele gentilmente me olhava, que me deixava sem saber como reagir.
Movimentei meus cabelos na esperança de que ele reparasse a forma como eu o havia alisado, somente para que ele percebesse. Ele me olhou rapidamente, como se eu não me mexera. Cansada de insistir em tentativas frustradas, eu abri meu caderno e comecei a copiar cada uma de suas palavras. Impossibilitada de resistir à tentação, às vezes levantava meus olhos só para olhar sua boca se movimentando rápido demais, à medida em que o som desaparecia em volta de mim, e tudo o que eu enxergava eram seus lábios. Seus lábios nos meus. E ainda, seus lábios sobre meu corpo. Quando eu retomava a atenção, acabava perdendo vários trechos daquilo que ele dissera, mas continuava escrevendo incessantemente, como se o deslizar da caneta sobre o papel fosse fazer meu desejo diminuir ao menos um pouco. No entanto, nada me distraía, seu olhar era como um ímã para o meu e, por isso, eu me via observando seus movimentos tão minuciosamente que seria capaz de imitá-los.
Eu estava começando a desistir e pensar que todos os olhares ou sorrisos dirigidos anteriormente a mim haviam sido pura ficção. Tudo não passara de uma ideia doentia gerada pela minha cabeça, quiçá perturbada nos últimos tempos. Ele se tornara minha válvula de escape da realidade, mas todos os olhares que ele desviava de mim fazia com que a realidade batesse em mim novamente como um despertador que toca quando estamos no ápice de nossos sonhos. Como eu me deixara levar tão longe? Por que insisti em acreditar, ilusoriamente, que minha paixão irreal poderia ser, de alguma forma correspondida? Com raiva de tudo, comecei a guardar tudo na minha bolsa: estojo, cadernos, garrafa de água e todos os outros objetos em cima de minha mesa, sem me preocupar em organizá-los ou guardá-los com cuidado. Deitei minha cabeça em cima de minha bolsa, e tentei parar de ouvir todo o som possível, especialmente a voz dele, e aparentemente consegui.
Levantei minha cabeça e o professor sentava-se em sua mesa para fazer a chamada. Esperei com pesar ele chamar meu nome, ao que eu apenas levantei minha mão para o alto e olhei para os seus olhos, esperando que, pelo menos assim, ele notasse minha presença. Ele segurou meu olhar por um instante e, baixando os olhos para a lista de chamada novamente, disse-me em um sussuro para que eu ficasse depois da aula, pois tinha sérios assuntos para conversar comigo. Meu coração tomou-se de adrenalina: iria ele perguntar-me o motivo de minha dispersão? Ou então advertir-me sobre meu atraso? Achei essas indagações poucos prováveis, porque ele não era o tipo de professor que parecia se importar com esses lapsos de disciplina.
Esperei que todo mundo saísse, mas continuei sentada no mesmo lugar. Depois que todos foram embora, ele olhou-me de uma maneira misteriosa. Parecia indagar o porquê de eu continuar sentada quando deveria estar preocupada, interrogando-lhe o motivo de sua intimação. Mas ele nada disse. Tampouco eu disse algo. Ele sentou-se ao meu lado, massageou brevemente meus cabelos, como se houvesse percebido que eu os havia alisado por sua causa. Então ele sorriu para mim, assim como sorriu quando eu entrei na sala. Perguntou-me porque não tirei meus olhos dele durante todo o tempo em que assisti à aula. Enrusbeci, sem saber o que responder, e abaixei meus olhos. Ao levantá-los, ele soprou-me um beijo na bochecha e levantou. Enquanto caminhava até sua mesa, pensei em confessar-lhe tudo, sobre minha paixão, sobre minha pesquisa secreta de sua vida, sobre minha vontade de me enlaçar em seus braços e tocar os seus lábios. As palavras não saíram de minha boca.
Ele pegou suas coisas, sua maleta, suas listas de presença, seus óculos jogados em cima da mesa, e dirigiu-se até a porta. Eu continuei sentada até perdê-lo de vista, e poderia jurar que ele deu uma última olhada para trás antes de desaparecer no horizonte.
Victória Pereira Martins
18/04/2011
segunda-feira, 18 de abril de 2011
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Um comentário:
Me alegro de ler seus textos. São muito intensos, coesos, comuns. Não comum no sentido pejorativo da palavra, mas sim por algo que qualquer um poderia se identificar. E que prende.
Admiro a forma como nada tem fim e, ao mesmo tempo, não acaba bem nem mal. Apenas... existe!
Lindo texto Vic. Parabéns novamente. Quando estivermos mais velhinhos, com mais tempo, quem sabe nós dois conseguimos escrever um livro?
O meu tem 1 capitulo! aiuhauihaa
Beijos!
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