"Eu nunca me apaixonei à primeira vista", disse a pessoa ao meu lado. A regra era clara: quem já houvesse se apaixonado à primeira vista deveria tomar um gole de seu drinque. Não bebi, embora a maioria das pessoas em volta da mesa o fizeram. A verdade é que eu não conseguia me recordar se aquilo acontecera comigo ou não, e achava constrangedor demais admitir no caso positivo. Era a minha vez de falar algo que eu nunca fizera. "O que eu nunca fiz?", pensei. Talvez fosse drástico demais dizer que eu nunca me apaixonara, por mais que eu estivesse tentando parecer a pessoa mais desapegada do mundo naqueles tempos, o que eu sabia que não era tão verdade assim. Sim, eu havia passado por uns maus relacionamentos naquele ano, inclusive o término de um longo, e me tornara mais fria nesse aspecto. No entanto, toda a minha ardência não permitiu que eu me inserisse em algum universo glacial, então eu estava morna. Ou até mesmo anestesiada de todo o amor que quisesse me infectar.
"Eu nunca senti atração por alguém que está aqui", falei. Imediatamente tomei um gole da minha bebida, porque estava óbvio que aquilo não era verdade. Olhei para o menino sentado do outro lado da mesa, que também levava o copo à boca. Embora seu olhar fosse maduro, seus contornos fossem maduros e toda a sua sensualidade não deixasse transparecer um traço de sua pouca idade, ele era um menino e eu sabia. Sorri para ele maliciosamente, e ele correspondeu. Desde que ele chegara à minha casa, não havia tirado os olhos de mim um segundo sequer. Embora eu fingisse não perceber, meu corpo estremecia toda vez em que aquele olhar jovem devorava-me por completa. E o mais estranho é que, mesmo com todos os outros olhares de homens mais velhos e experientes já destinados a mim, eu nunca me sentira tão desejada quanto naquele dia.
Estava frio, mas eu ardia em calor. Fizemos uma pausa na brincadeira alcoolica e todos saímos ao ar livre para fumar, apesar de nenhum de nós ser fumante habitual. Vi o menino acender seu cigarro e levá-lo a boca com cautela, quase como pedindo licença ao tabaco, e instantaneamente desejei sentir sua boca na minha, e então sobre meu corpo, pedindo licença a cada centímetro de pele transbordando de prazer. Ele, percebendo meu devaneio, encontrou os meus olhos, e, levantando as sobrancelhas, olhou-me sugestivamente, como se soubesse tudo o que eu havia fantasiado. Enrubesci. Tentando esquivar-me daquela situação constrangedora, perguntei-lhe o que fazia, embora já o soubesse. Ele, timidamente, disse-me que ainda estudava - fazendo um rápido cálculo mental, concluí que ele era cinco anos mais novo que eu, aproximadamente, e isso me excitou ainda mais. Talvez fosse divertido, afinal, brincar com sua vulnerabilidade, ensiná-lo coisas que minha experiência mais vasta explorava, mostrar-lhe onde tocar, fazê-lo sentir como nunca antes se sentira. Talvez, também, eu estivesse exagerando, e apenas cinco anos não fizessem tanta diferença assim.
Terminei meu cigarro e o atirei metros a frente. Todos entramos para retomar a brincadeira, e, dessa vez, as declarações de "eu nunca" tornaram-se menos inocentes. A essa altura, eu já havia tomado vários copos do meu drinque, portanto não estava mais muito sóbria. E, como a tequila já subira à minha cabeça, eu perdera também o pudor e comecei a responder mais avidamente aos olhares do menino. Eu ria, divertida, com a tamanha e aparente atração que aquele menino sentia por mim. Será que eu era mesmo tão desejável? Ou será que ele só se sentia daquela maneira por eu ser mais velha e, na teoria, menos alcançável para ele que as meninas de sua idade? Se pensava assim, estava terrivelmente enganado, porque seu corpo escultural, seu rosto perfeito e todo o seu charme tornariam disponível qualquer mulher que lhe fosse inalcançável em um primeiro momento. Eu mesma, que não me impressionava facilmente com a beleza masculina, ficara encantada com todas as qualidades daquele menino. Quiçá o tamanho do meu encantamento fosse bastante por causa de sua idade. Talvez ele que me fosse inalcançável, e não mais o contrário.
Levantei-me da mesa para ir ao banheiro. Aproveitei para melhorar meu visual: removi as manchas do lápis preto que se formavam embaixo dos meus olhos e tentei suavizar a vermelhidão de minhas bochechas, causada pelo álcool. À parte isso, eu me sentia linda, e havia tanto que eu não me sentia assim! Sorri para o espelho, querendo agradecer ao menino, que fizera eu encontrar uma beleza que andava escondida. Ouvi batidas na porta. Não respondi, mas tampouco me apressei. Baguncei os meus cabelos e calmamente caminhei até a porta. Abri-a vagarosamente, querendo que fosse ele do outro lado, mas sabendo que eu poderia me decepcionar. Lá estava ele, encostado contra a parede, com as pernas cruzadas, as mãos no bolso, com o rosto abaixado. Quando apareci, ele olhou-me de baixo a cima, tomando cuidado para degustar-me com os olhos minuciosamente, já que seria a última vez que ele o faria apenas com o olhar. Aproximei-me para sair da passagem da porta. Ele aproximou-se ainda mais, e puxou-me pela cintura. Então ele me beijou. Beijou-me sem pressa, sem euforia, sem agressividade. Beijou-me simplesmente, como se estar ali fosse a coisa mais importante para ele; como que, se o mundo acabasse naquele momento, nós não perceberíamos.
Ele não parou de me dizer o quanto eu era linda, e eu passei a acreditar. No final, era eu quem estava terrivelmente enganada: estar com ele não me faria me sentir mais velha, mais experiente, ou fazê-lo sentir coisas que nunca sentira, porque foi o contrário. Eu me senti uma adolescente ao seu lado. Àquela altura, sentir-me uma adolescente, e não uma adulta cheia de problemas, talvez não fosse o bastante, mas era o suficiente. E, com certeza, era o que eu precisava. Talvez, se a pessoa sentada ao meu lado repetisse a declaração de que nunca se apaixonara à primeira vista, naquele instante eu seria obrigada a beber um gole do meu drinque. Com uma diferença: não havia sido à primeira vista, mas sim àquela noite inteira.
Victória Pereira Martins
01-05/08/2011
terça-feira, 2 de agosto de 2011
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Um comentário:
Nesta situação, o que muito se destaca é o inalcançável... É muito bom alcançá-lo...
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