quinta-feira, 8 de fevereiro de 2007

Apelo

Hoje faz um mês que o Senhor partiu. Primeiros dias, para dizer a verdade, não senti tanta falta. Bom chegar tarde em casa, esquecida nas loucuras dos amantes enlouquecidos. Nada mudara, exceto pela ausência contida. O calor permanecia, a presença se fora. O lugar guardado, olhares trocados por engano, a imagem fantasiada de um homem que já estava longe.
Com os dias, Senhor, finalmente compreendi. A notícia de minha perda veio aos poucos: a falta da pressa afobada, o corredor deserto, as cores desbotadas perdendo ainda mais o brilho. Para não dar por fraca, fingi ser forte. Bebia com os amigos e perambulava sem rumo com a companhia que encontrava. Depois eu ficava só, sem a piedade de minha estranha solidão ou de todos os medos da noite fria e cruel.
E comecei a sentir falta das pequenas brigas por causa das restrições, das risadas inexperientes e das travessuras nas noites eternas. Acaso é saudade, Senhor? Aos seus erros, não lhes poupei perdão. Minhas lágrimas nas refeições foram substituídas por bocas raivosas mastigando. Não é ódio acumulado nem sede de vingança. Mas acostumei-me com a gélida falta que você faz. Não venha mais para casa, Senhor, por favor.

Victória Pereira Martins
29/05/2006

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