segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Bedroom talk

Ignorando o fato de que a porta estava destrancada, e que qualquer pessoa poderia entrar no quarto a qualquer momento, a menina despia a própria blusa e ajudava o rapaz deitado sob ela a despir a camiseta. No andar debaixo, adolescentes bêbados e promíscuos realizavam suas loucuras usuais para chamar a atenção uns dos outros. A música estava perturbadosamente alta, mas não a ponto de incomodar as duas pessoas naquele quarto escuro, onde Bob Marley tocava calmamente no aparelho de som em algum canto daquelas quatro paredes. A cama nos os pertencia. O quarto não os pertencia. Na verdade, duvido até que eles pertencessem um ao outro.

Era a terceira vez que saíam. Eles já se conheciam anteriormente, mas nunca haviam tido pensamentos desejáveis sobre isso, até alguns dias atrás, quando se encontraram em uma festa onde ambos desconheciam todas as outras pessoas lá presentes, e uma coisa levou à outra. Ambos eram jovens, e por isso, não conseguiam controlar seus desejos. Essa era a primeira oportunidade que tiveram de ficar a sós. A menina, que se apaixonava facilmente, estava impressionada que mesmo com todo o involvimento intenso que tiveram, ainda não havia despertado nenhum sentimento romântico sobre ele. Havia passado por muitos mau bocados aquele ano, e começou a perceber que era necessário separar amor e sexo. Embora ela não soubesse como fazer isso ainda, estava determinada a descobrir. Mas precisava descobrir o que era sexo antes.

E isso ela também estava determinada a fazer. O menino não era muito experiente, mas certamente tinha mais experiência que ela. Em algumas manobras, ele trocou de posição, e ficou em cima, tomando o controle da situação. Quando ela percebeu que estava prestes a fazer sexo pela primeira vez, começou a ficar nervosa. E se alguém entrasse e os flagrasse fazendo aquilo? E se ela se apaixonasse por ele? E se algo desse errado, e ela acabasse ficando grávida? Mesmo com todas as preocauções que eles tomariam, sempre haveria uma dúvida. Todos esses pensamentos dissiparam-se quando ele parou de beijá-la e perguntou-lhe:
"Você tem certeza de que quer fazer isso?"
Se ele era o tipo de homem que arrisca-se a ter um "não" como resposta só para confirmar se ela tinha certeza sobre o que queria, então ele era o tipo de homem com quem ela tinha certeza que queria fazer isso. Ela riu, divertindo-se com a situação, e puxou-lhe para perto para terminar o que eles queriam fazer. Ou melhor, para começar.

Mas mesmo depois de uma hora, eles ainda não haviam terminado. Por algum motivo, eles não haviam conseguido. Não era falta de vontade: isso havia de sobra. Talvez fosse o fato de que ela fosse virgem e estivesse ansiosa, ou então porque ambos estavam nervosos sobre a porta não pertencer fechadura alguma, ou o álcool que lhes subiu a cabeça, mas simplesmente não deu certo. A menina culpou-se por isso, e morrendo de vergonha, sugeriu para que recolocassem as roupas e voltassem à festa. Qualquer coisa que não fosse aquele momento embaraçoso naquele quarto escuro, onde eles não podiam sequer ver as expressões nos rostos um do outro para saber que ambos estavam sentindo a mesma coisa.

No escuro, vestidos, a menina procurou a mão do menino e o puxou para ela.
"Desculpa", ela sussurrou. "Não sei por que isso aconteceu e..."
Ele interrompeu-a com um beijo. Ela não detectou nenhuma raiva no beijo, ou sinal de que ele estava bravo, ou uma mensagem como se fosse o último beijo.
"Não", ele disse. "É você que tem que gostar".
Ambos sorriram, e mesmo na escuridão, um sabia que o outro também sorria.


Victória Pereira Martins
21/12/2008

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Quem sabe

Meu amor,

tenho a sensação de que essa carta vai acabar sendo lida mesmo que eu não a entregue. De qualquer jeito, não decidi escrevê-la porque quero que você leia. Decidi escrever porque sinto sua falta. Seu cheiro ainda está nas minhas roupas, mesmo depois de eu tê-las lavado inúmeras vezes. Eu não paro de pensar em você antes de dormir, mesmo tendo feito infinitas coisas para tirar você da minha cabeça durante o dia. Mas quer saber? Eh tudo inútil. Todos dizem: "ah, não vamos fazer tal coisa porque nós vamos lembrar dele". Bom, então eu realmente não tenho o que fazer. Porque tudo aqui me lembra você. Hoje, na janta, eu olhei pra mostarda (que agora eu sei que você odeia) e passei a odiá-la também. Parece que agora todos os garotos pelas ruas decidiram andar com aqueles chapéuzinhos que ficavam tão bem em você. Às vezes eu vou correndo até eles pensando que por algum milagre eu vou te encontrar em alguma outra pessoa. E aí percebo que ninguém nunca vai te substituir.

Só sei que agora, por mais impossível que seja, eu tento te procurar em outras coisas. Acho que às vezes irrito algumas pessoas perguntando sobre você. Perguntando como você é, as coisas que você fazia aqui, algumas de suas manias. Nos últimos dias, tenho procurado você em cigarros. De alguma maneira, me sinto mais próxima de você quando trago a fumaça, e expiro minha tristeza para fora de mim. Fecho os olhos esperando que o tempo voe, já que nada mais tem graça, mas mal passaram-se dois minutos.

O dramático não é a separação, porque eu sei que eu vou te ver de novo. O que eu odeio é a incerteza sobre outras coisas. Eu não sei se vai ser a mesma coisa quando a gente se reencontrar. Se você vai continuar me olhando do jeito que me olhava e se dirigindo a mim com aquela indiferença sedutora, embora eu sempre soube que lá no fundo, você se importava de alguma forma. Eu tenho medo de nunca mais ter aqueles ótimos momentos que eu tive ao seu lado. Eu tenho medo de nunca mais experimentar aquele entusiasmo, aquela aceleração no meu ritmo cardíaco quando eu olhava pra você. Dói por dentro não saber se eu ainda vou olhar pra você sem saber se te abraço ou te beijo. Se rio ou se choro. Se devo gostar ou se devo esperar a gente se conhecer melhor.

Não sei, aqui era tudo mágico, porque aqui é outra realidade, outra dimensão. Agora parece que tem alguma coisa mais que um mar separando a gente. Não sei o que parece. Eu sei que quero você de volta. Quero voltar no tempo de alguma maneira e aproveitar tudo o que eu podia ter aproveitado com mais intensidade, mas tive medo.
Medo por medo, estou pagando as conseqüências agora.

Mas embora pareça, essa carta não é pra chorar.
É pra você segurar a onda daí que eu tô segurando daqui.

E é pra saber que eu não vou te esquecer.
Não importa o quão esquecido e indiferente a mim você seja, para mim você sempre vai ser alguém que fez a diferença. Sempre importante e sempre na minha memória.

Eu sinto sua falta.

Victória Pereira Martins
03/11/2008

"Quem sabe o que é ter e perder alguém?"

sábado, 27 de setembro de 2008

Devaneios

De todos os romances que tive, reviravoltas nos meus sentimentos, homens e meninos que viraram minha vida de cabeça para baixo, não posso citar tantos nomes no quesito "inesquecível". Veja você, se eu fizesse uma lista dos meus amores mais importantes, que me fizeram perder o fôlego, a lista teria apenas dois nomes.

Pensando bem, não direi que os outros não são inesqueciveis. Mas é que esses dois ainda me assombram. Todas as noites antes de dormir, algum dos dois fantasmas insiste em sentar na beirada da minha cama e sorrir para minha alma nostálgica. Acho que eles revezam, para eu não me cansar de nenhum deles. Ou melhor, para eu me cansar dos dois na mesma proporção.

Mesmo hoje, depois de meses de ambos os romances terem atestado oficial de óbito, eu arrepio ao ouvir aqueles nomes. Meu coração pára de bater quando eu me deparo cara a cara com eles. Eu odeio e amo essas sensacoes. É como uma droga. Eu sei que é ruim para mim, mas meu vício é mais forte que meus princípios.

Acho que aqueles dois homens são o motivo de eu nunca conseguir manter um relacionamento. Eu sempre comparo o atual com algum deles, mesmo que inconscientemente. Fico pensando: "ah, se ele fosse como o ... !", ou "ah, se ele me olhasse como o ... !". Acho que, inclusive, ambos se parecem. Não fisicamente. No físico, eles são praticamente opostos. Mas nos modos, nas manias, nos gostos, em quase tudo. Às vezes penso neles como uma pessoa só. Um único fantasma.

Na verdade, às vezes eu penso em nós três como uma pessoa só. Não quero ser exagerada nem dramática. Mas, se for verdade que "transforma-se o amador na cousa amada", eu me transformei neles também. Não perdi minha identidade, porém acho que carrego um pouco deles dentro de mim.

Ao contrário do que parece, eu não sofro com o fim de nenhum dos relacionamentos. Na verdade, hoje sou grata. Vivi momentos incríveis. Sorri, chorei, cresci. E embora muitas vezes eu diga o oposto do que eu vou dizer agora, foram as únicas vezes em minha vida em que eu tive a oportunidade de me apaixonar. E pode acreditar que valeu a pena.


Victória Pereira Martins
27/09/2008

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Do sétimo andar (III)

Toquei a campainha duas vezes e aguardei, impaciente. Ah, como eu fora burra! Não deveria ter dito nome algum. Eu seria desmascarada e tudo daria errado. Grande plano, Raquel! Porém a porta foi aberta abruptamente. Levei um susto quando Don apareceu sorrindo, vestido, do outro lado.
"Raquel, Raquel. Não teve paciência ao menos de marcar hora? E ainda conseguiu driblar o porteiro, coisa que ninguém nunca fez. Se tudo isso é para me ver, sinto-me lisonjeado. Quem lhe deu meu endereço? Aposto que foi a Márcia. Você tem cara de ser amiga dela. Estou surpreso, achei que ela fosse ciumenta, que não quisesse ninguém pondo as mãos sujas em mim. Não que suas mãos sejam sujas, são mãos de anjo, estou apenas repetindo as palavras dela.", e fazendo uma pausa pra respirar, "Odeio ter que lhe desapontar, meu amor, mas eu estou exausto, sabe como é. Será que podemos remarcar para amanhã? Você pode vir o horário que quiser, eu remarco as outras."
Fiquei desconcertada. Como era possível? Procurando as palavras certas, disse com calma: "Posso entrar?"
Ele sorriu, como se eu houvesse vencido, e deu-me passagem para entrar em seu apartamento. Ri, pensando que aquela era a primeira vez que eu entrava lá com permissão e sem um binóculo.

Ele ofereceu-me vinho. Ficamos sentados bebendo e conversando, até quase o fim da garrafa. Eu só queria pegar o que estava dentro da gaveta e ir embora, que inferno! A situação tomara uma dimensão muito maior do que eu planejava. Porém, entrando na pele de Raquel, convenci-me de que, já que estava lá mesmo, iria aproveitar o máximo que pudesse. Surpreendi-me quando me vi deitada na cama, sendo despida como vira tantas vezes. Ele ficou impressionado quando descobriu minha ausência de roupas íntimas, de modo que não poderia tirá-las com os dentes. Fizemos amor a noite inteira, aquele homem era insaciável. Às quatro horas da madrugada, ele virou-se e dormiu. Eu fiquei acordada, insone, pensando em todos os acontecimentos daquela noite. Quando me certifiquei de que o sono dele era pesado, vesti-me silenciosamente. Pé ante pé, caminhei até a gaveta de seu criado-mudo a fim de acabar com aquela história de uma vez por todas. Mas encontrei-a vazia. Procurei em todos os lugares possíveis, mas foram apenas tentativas frustradas.

Tive certeza de que eu precisava voltar lá. Eu voltaria quantas vezes fosse necessário até encontrar o motivo pelo qual tudo aquilo acontecera. Escrevi um bilhete para ele e, ironicamente, deixei-o em cima de seu criado-mudo. "Don, tive que ir. Se tiver um horário disponível amanhã, me liga. Depois acertamos, estou sem dinheiro.". E deixei meu telefone para contato. Esperava que aquela confusão acabasse logo, no dia seguinte ou naquela mesma semana. Mas o que eu não imaginava era que estava apenas começando.


Victória Pereira Martins
06/08/2008

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Do sétimo andar (II)

Sem conseguir pensar em mais nada, com uma pressa desesperadora, atravessei a sala correndo em busca de alguma roupa disponível. Vesti rapidamente o primeiro jeans que encontrei e a blusa amassada que estava jogada no chão, sem preocupar-me em acrescentar sequer peças íntimas. Calcei o único tênis que havia em meu guarda-roupa e tive tempo de pegar um casaco desbotado em cima da poltrona. Com esse estilo despojado, que até parecia proposital, atravessei a porta da frente como uma bala e desci as escadas do prédio como se não houvesse amanhã. E por algum motivo que eu provavelmente nunca vou entender, em menos de cinco minutos estava em frente ao edifício vizinho do meu.

Foi então que o bom senso inundou meus pensamentos. Eu mal sabia o nome do homem, como seria capaz de invadir seu apartamento? Fui caminhando mais calmamente até a portaria. Diminuí a velocidade dos meus passos inexplicavelmente, tentando pensar em alguma coisa. Como eu me anunciaria? E mesmo se eu conseguisse subir até lá, o que diria a ele quando estivéssemos a sós em seu apartamento? E se meu plano desse errado?
"Posso ajudá-la, senhorita?", perguntou-me o porteiro, olhando fixamente em meus olhos como se eu fosse uma maluca qualquer pedindo esmolas.
"Err... eu... Eu vou no sétimo andar."
"Sim. No apartamento de quem, exatamente?", ele respondeu segurando-se para não rir. Deveria estar achando graça daquela situação desconfortável em uma noite um tanto quanto monótona. Divaguei alguns minutos em silêncio, e relembrando-me dos filmes que vira e dos livros que lera, decidi adotar um ar misterioso.
"Ah, como posso saber qual nome ele estará usando agora? Da primeira vez que o vi, chamava-se Cláudio. Na última vez que estivemos juntos, ele exigiu que eu o chamasse de Paulo. Mas se o senhor duvida de mim, eu posso descrevê-lo.. ele é alto, careca, pela morena..."
Interrompendo-me constrangido, ele retrucou: "Imagina, senhorita, que eu seria capaz de duvidar de uma dama. Se posso lhe ajudar, as pessoas, ou melhor, as mulheres que vêm aqui insistem em chamá-lo de Don. Simples assim, o que eu não entendo, porque no contrato de aluguel...", e ele continuou monologando enquanto eu ria por dentro da minha genialidade.
Quando voltei minha atenção ao porteiro, ele continuava atropelando-se em suas próprias palavras: "... mas chega a ser engraçado, não é mesmo? Ainda mais quando não se tem nada para fazer, em noites como essa. Bom, eu vou interfonar lá no apartamento dele para avisar que você chegou. A quem devo anunciar?"
Imitando o homem do sétimo andar, adquiri também outra personalidade.
"Raquel. Meu nome é Raquel.", e quase eu acreditei na minha própria mentira.
Sorri quando ele abriu o portão para mim antes de ligar para Don, e apressei-me a entrar no elevador, antes que descobrissem toda aquela farsa.


Victória Pereira Martins
06/08/2008

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Do sétimo andar (I)

Liguei o chuveiro e deixei a água bater com força sobre mim. Fiquei uns bons minutos lá embaixo, com a intenção de que o banho não limpasse apenas meu corpo, mas a minha alma. O dia fatigante que eu tivera merecia toda a cerimônia dramática. A água que escorria sobre minha pele parecia uma letargia que se espalhava mais à medida que eu esfregava o sabonete fosco, fazendo com que a região ficasse vermelha, quase em carne viva. Quando o vapor começou a cessar, reduzi todo o jato a pequenas gotículas e as incentivei a pingarem em meu nariz, em meus cabelos emaranhados e em todo o caminho da minha vértebra, até chegarem às áreas mais íntimas, congelantes. Não preocupei-me em enrolar uma toalha sobre qualquer parte da minha estrutura encharcada e segui em direção a outros aposentos, nua, deixando um rastro sugestivo por onde eu passava.

Escolhi o melhor vinho de minha modesta adega e servi duas taças. Com uma em cada mão, fui cambaleante até a sala de estar, cujas portas envidraçadas permitiam uma visão nítida de todo o apartamento em frente ao meu. Indiferente à ausência de qualquer peça de roupa, sentei-me naquela gigantesca poltrona e tomei todo o conteúdo de uma das taças em um gole só, e em seguida pousei ambas em uma mesinha de cabeceira que eu estranhamente deixava na sala. Ao lado dos cálices, um grande binóculo aguardava ansioso o momento de entrar em contato com meus olhos famintos. Decidida a deixá-lo esperando mais alguns minutos, apaguei todas as luzes como forma de camuflagem e fui assistir a meu show noturno e diário.

Como o relógio denunciava apenas oito horas da noite, deduzi que o espetáculo havia começado cedo naquele dia. O homem careca de pele morena já despia a camisa quando eu penetrei em seu apartamento, intrusa. Em pé a sua frente, uma mulher de cabelos louros e estatura média o ajudava a fazer isso com mais rapidez, e parecia já estar gemendo de prazer só pelo gesto sutil. Depois de atirá-la na cama com hostilidade, ele despojou-a inteira com uma fome insaciável, tendo o cuidado de retirar suas peças íntimas com os dentes. Eu assisti àquilo com certa monotonia, já que o havia visto repetir aquelas manobras com outras mulheres, senhoras e até meninas. O único motivo pelo qual eu insistia em ver toda a sensualidade que envolvia o apartamento em frente ao meu era meu desejo de estar na pele de qualquer uma que ele já houvesse possuído.

Horas depois, quando a mulher já havia ido embora e ele estava deitado nu na cama, envolto por aquele frenesi solitário, agarrei minha câmera fotográfica. Nela estava toda a aspiração na qual eu nunca tivera coragem de investir. Eu mal sabia usar todas aquelas funções exuberantes que não me diziam nada, mas por detrás daquelas lentes, o mundo aparentava ser um pouco mais belo. Esperei até que ele olhasse acidentalmente para o lugar onde eu estava e consegui captar aquele olhar desconcertante. Fantasiei que talvez ele estivesse realmente me enxergando e, devoto, devorando cada centímetro do meu corpo excitado com aqueles olhos invasivos. Porém, um gesto repentino daquele homem interrompeu meus pensamentos. Ele abriu a gaveta de uma mesa próxima à sua cama e retirou lentamente algo lá de dentro. Com um close da câmera, consegui descobrir o que era. Quando o fiz, derrubei o aparelho fotográfico que estava em minhas mãos, e este caiu no chão. O baque surdo da queda abafou meu grito silencioso.


Victória Pereira Martins
05/07/2008

Parte II em breve ;)

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Biblioteca qualquer

A menina, sentada ereta na cadeira móvel, rabiscava sem pressa algumas linhas de um novo romance. A história, mal organizada e inacabada, era redigida à mão. Sua autora olhava pela janela e não enxergava nada. Não por qualquer deficiência visual, mas simplesmente porque não queria ver. Bem, pelo menos não o que era real. Ela imaginava campos, praias, cidades, casas e lugares existentes somente nos textos de sua autoria. Por isso, seus olhos restringiam-se apenas àquele mundo cheio de cores e sensações, porém isento de uma pitada sequer de realidade.

Eis que em toda história que havia escrito até aquele momento, não obteve problema algum com imaginação ou criatividade. Porém, aquela era diferente. O chão sob seus pés estava inundado de papéis amassados e sem vida, e a menina temia se afogar naquela onda de insatisfação. A história estava clara em sua mente, e de algum modo ela não conseguia descrever todas aquelas idéias que estavam muito perto de transbordarem se não fossem socorridas por alguém que as pegasse e as tranferissem para o papel.

Depois de muito tentar, chegou à conclusão de que não chegaria a lugar algum. Decidiu dar algumas voltas para espairecer os pensamentos. Com um livro na mão e indiferença nos pés, sentou-se no banco de uma praça próxima à sua casa e devorou páginas intermináveis daquele romance favorito, cuja leitura era fascinante. Quando começou a escurecer, a menina já cansada refez o caminho que fizera mais cedo naquele mesmo dia. Foi quando avistou aquela criatura, que julgou a mais linda de todo o mundo. O menino tinha cabelos loiros, olhos castanhos e uma porção razoável de mistério que misturava-se à paisagem, impossibilitando saber se ele era real ou uma miragem.

A partir daquele dia, a menina andava diariamente por aquelas ruas de nomes desconhecidos, reconhecidas apenas pelo trotar das passadas ansiosas e intuitivas, as quais faziam com que ela procurasse o dono da silhueta mais fabulosa que jamais havia encontrado nos quatro cantos de qualquer biblioteca. À noite, ela se sentava ereta na cadeira móvel e escrevia todos os detalhes daquele primeiro encontro acidental.

Enfim, após dias procurando, a menina o encontrou sentado na praça, lendo aquele mesmo livro que ela, por incansáveis vezes, lera. Sentou-se ao seu lado. A primeira troca de olhares foi calma, desejável, seguida de risos envergonhados. Depois disso, tudo aconteceu muito rápido. Foram tantas tardes românticas daquele amor imaturo e inocente, que a menina não demorou em derramar toda aquela história sobre suas folhas de papel sem vida, transformando-as naquele romance cheio de cores e sensações sempre almejado. Porém, ela não sabia que fim dar ao enredo e decidiu deixar seu romance real prosseguir para poder encerrar o irreal.

Nos dias seguintes, quando foi se encontrar com o amado, teve uma surpresa: ninguém a esperava, a não ser a brisa fria que chegava junto com os crepúsculos. A princípio, pensou ser algum equívoco natural que ocorrera para ele não ir a seu encontro como fazia todos os dias. Quando o abandono começou a se tornar freqüente, a menina preocupou-se. Em uma das tardes mais frias daquele outono, ela decidiu ir à praça pela última vez, como alguns meses antes, a fim de procurar uma miragem. Nesse dia, ela levou o romance deles que ela havia escrito. Estava certa de que ele iria, para que ela pudesse mostrar as linhas tímidas e apaixonadas que decoravam todas aquelas páginas.

E mais uma vez, apenas o banco da praça lhe fez companhia. Escrava de memórias, lembrou-se de quando os dois tiveram o primeiro contato. Então, compreendeu. Mais uma vez, a menina olhava para o mundo e não enxergava nada. E por não querer ver, imaginou. Lacrimejando, ela abriu as folhas de papel amareladas, e, lendo as primeiras linhas, preparou-se para os próximos encontros com o ser mais misterioso de todos: sua mente.


Victória Pereira Martins
05/05/2008

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Pó acumulado

Enquanto ela ria e fechava o zíper da blusa esportiva, ele beijava seu pescoço irresistivelmente. Ficava pedindo que ele parasse, mas de um jeito que mais o incentivava a continuar do que a parar. Eles estavam em um banheiro apertado, mal limpo e escuro, o que os levava a ficarem cada vez mais próximos um do outro, possivelmente para esquecer o cenário nada romântico. Embora aquilo não fosse o esperado de um bom lugar para ter privacidade a dois, era o único no qual eles podiam entrar disfarçadamente - já que ficava longe de olhares curiosos - a fim de aliviar as tensões causadas pela saudade e a ansiedade inacabável de que aquela hora do dia chegasse.

Aquela situação se repetia havia três semanas, quando eles finalmente cederam aos olhares quentes e aos comentários discretos de terceiros, que insistiam em dar sinais sobre a reciprocidade do desejo do outro. Haviam tantos obstáculos físicos, sociais e culturais da porta para fora, de modo que o lado de dentro tornava-se um abrigo para se esquecerem da existência de companheiros estáveis e da diferença de idade, cuja aceitação seria quase impossível para a sociedade.

Era como se eles fossem mutuamente um refúgio. Apenas por causa daquele acontecimento diário, eles agüentavam sem reclamar as dificuldades rotineiras que os assolavam sem piedade. Não que tivessem vidas difíceis, porém nenhum momento era tão bom como aquele em que eles ficavam apertados em um banheiro escuro por tempo limitado, às vezes só olhando um para o outro, a fim de que o mundo parecesse um lugar com pouco mais de paz.

Então, alguém bateu à porta. Sutilmente, mas era uma batida que insinuava saber de tudo que acontecia lá dentro. O único som - o da respiração - cessou. Eles não se atreveram a fazer qualquer movimento sem antes ter certeza de que o lado de fora estava deserto. Ficaram alguns minutos paralisados. Olharam-se para garantir se o outro concordava que já estava na hora de arriscar descobrir se o perigo de flagrante ainda estava próximo.

Cautelosamente, como se as próprias vidas deles estivessem correndo risco, colocaram a mão na maçaneta juntos, em um misto de proximidade e distância. Puxaram a porta lentamente e encontraram apenas um corredor vazio. Suspiraram aliviados, mas nervosos. Mesmo sendo aquele encontro às escuras a coisa que mais prezavam em todo o mundo, ambos sabiam que a idéia era absurda. Eles teriam de sair de trás daquelas paredes uma hora ou outra, e talvez não estivessem preparados para enfrentar todos os preconceitos necessários para ficarem juntos. Nem preparados nem dispostos.

Olharam-se tristemente, já que aquele fora o sinal de que tudo havia ido longe demais. Olharam-se por minutos, ou assim pareceu, e dissiparam-se como pó acumulado. Lá fora, as pessoas continuavam com suas atividades. Estavam correndo ofegantes pelas esteiras ou puxando pesos com esforço, como se nada tivesse acontecido.


Victória Pereira Martins
28/03/2008

domingo, 20 de janeiro de 2008

Turbulência

Tomei minhas costumeiras pílulas para dormir antes mesmo de embarcar no avião. Era a única forma de amenizar meu medo: dormir durante as poucas, porém eternas horas de voo. Suspirei aliviada por estar viajando sozinha, a minha companheira de viagens tinha a irremediável mania de falar o tempo todo, e naqueles tempos ela costumava criticar todas as minhas atitudes, lembrando-me sempre da aventura melancólica que era a minha vida. Fiquei a imaginar quem me buscaria no aeroporto dessa vez. Era uma brincadeira que eu fazia para passar o tempo, já que toda vez ele mandava alguém diferente. De modo que eu era conhecida por vários de seus parentes e funcionários, todos sorridentes e eu sempre tinha a impressão de que eles me olhavam com dó. Fiquei pensando no porquê, até que meus pensamentos foram interrompidos pela voz que anunciava a embarcação de meu voo. Procurei com calma meu assento, sentindo o sono invadir meu corpo e inundar minha mente. Sentei-me com calma junto à janelinha e fechei-a automaticamente para impedir a entrada dos raios solares. Comecei a sentir o peso das minhas pálpebras e tolamente tentei mantê-las abertas em uma tentativa fracassada.

A ordem havia sido simples: venha o mais rápido possível. Disse que tinha assuntos sérios a serem discutidos, como o nosso futuro. Cumprimentei efusivamente seu motorista, o empregado que estava livre no momento que eu cheguei àquela cidade meio morta. O único motivo para visitá-la era o fato de meu namorado morar lá. No carro, a caminho de sua casa, fantasiei que era possivelmente esse o motivo da viagem: discutir onde moraríamos quando nos casássemos. Alegrei-me com a idéia, já que a espera para o grande pedido estava ficando longa demais. Estávamos juntos havia quatro anos, e apesar da distância ser um forte ponto contra nós, eu teimava em acreditar que não era um obstáculo, porque apesar de tudo, nós nos amávamos. Ou pelo menos, eu pensava que sim.

Cheguei e fui recebida por uma legião de funcionários, pelos quais fui tratada super bem e informada de que teria que aguardar o dono da casa chegar - estava trabalhando, para variar - mas que eu ficasse à vontade. Agradeci tristemente, pois conhecia aquele discurso de cor. Dirigi-me para o quarto no qual eu ficaria hospedada e deparei-me com uma surpresa: pela primeira vez em quatro anos, ele não havia deixado um bilhete sequer, uma pequena demonstração de carinho, qualquer cortejo para isentar-me de preocupações sobre a nossa relação, coisa que eu costumava ter. Não conseguindo pensar em nada mais plausível, fui a seu quarto; às vezes ele deixava lá mesmo, já que eu dormia com ele frequentemente. Porém, o aposento também estava deserto nesse quesito.

Contra todos os meus princípios, vasculhei cada centímetro sem poder me conter. Abri a gaveta da mesa de cabeceira, procurei nos armários, na escrivaninha, mas só encontrei a prova da minha desgraça embaixo da cama. Uma caixa de veludo, não tão grande quanto o estrago que ela causaria. Seu conteúdo era um anel de diamante, cujo interior fora gravado com o nome dele e de outra. Outro nome que não era o meu. Outro nome. Outro.

Caminhei sem cerimônia para meu cômodo. Engraçado, pensei, o cômodo está bastante incômodo nesse momento. Deitei na cama, abri minha bolsa e peguei minhas costumeiras pílulas soníferas. Coloquei algumas na boca, era o único modo de amenizar minha dor: dormir durante as poucas, porém eternas horas de vida. Senti o peso das minhas pálpebras e tentei mantê-las abertas em uma tentativa fracassada.


Victória Pereira Martins
14, 18 e 20/01/2008

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Sufoco

Provavelmente não conseguirei dormir essa noite. Não apenas pela enorme quantidade de café que tomei enquanto conversava excentricidades com meus amigos, cujo apoio tem sido indispensável durante esse processo que estou passando, mas também porque agora eu tenho certeza que acabou entre nós. Dói cada parte de meu corpo de um modo físico, chega a ser esdrúxulo. Não consigo encontrar um porquê, não sei o que aconteceu. Queria, queria mesmo perguntar a você onde foi que eu errei. Sei que talvez não obteria uma resposta concreta, já que você costuma negar tudo que eu ouso supor. Consigo até simular a situação na minha mente: você me olharia com aquela ternura chantagista, porém cínica, e diria calmamente numa voz calma e fingida que a culpa não foi minha, que eu fiz tudo certo, que o culpado claramente foi você; e eu, na minha ingenuidade tola, acreditaria. Você faria de tudo para garantir um nebuloso futuro, caso seus planos não dessem certo com outra alma infeliz que tenha a má fé de aventurar-se com tão extravagante ser. Eu teria pena dela, se não fosse tão deprimente pensar que alguém tenha sentido pena de mim uma mísera vez.

O clima nessa cidade banal tem a mania doentia de estar de acordo com o meu humor. Acho que por isso que tem chovido torrencialmente: os dias fantasmagóricos e ociosos aparentam durar para sempre; impossibilitam qualquer forma de amenizar minha dor. Ainda mais com a sua imagem estampada em tudo que existe nessa casa assustadora. Não importa, todo lugar que eu olho existe um pouco de você, cada lugar que vou contém uma lembrança sua a me perturbar. Tenho a viciosa impressão de que aquele retrato seu está sempre rindo, debochando de mim, da minha fraqueza. Por mais que queira, não consigo jogá-lo fora.

Não vou mentir: tentei manter os pés no chão. Tentei não fantasiar que seu jeito tão sem defeito fosse real. Tentei não acreditar quando você disse que nunca faria nada para me machucar. Então, eu peço: me perdoe. Minha estupidez iniciou-se no momento que eu me deixei envolver, apesar de tudo pelo que passei. Deveria saber que a história se repetiria, e no fundo eu realmente soube como acabaria quando olhei para você. Seus olhos - cheios de marcas de outros amores, de cicatrizes que elas fizeram - não esconderam a gana de fazer alguém sofrer do mesmo modo que você sofreu. Não posso deixar de lhe parabenizar, porque você conseguiu.

Já cansei de pensar em você com outras, fazendo o que a gente fazia, sussurrando as mesmas palavras, trocando os olhares únicos. Não sei quem colocou isso na minha cabeça, que esperança é a última que morre. É triste, mas parece que ela morreu. Antes eu tinha fé, pedia toda noite para alguma força divina que a fase acabasse, que tudo voltasse ao normal e ficasse bem. Devo ter feito alguma coisa errada, porque nunca fui atendida. Fico esperando que algum milagre aconteça, e você entre pela porta, peça desculpas, diga que quer tentar de novo. Mas sei que a espera é vã. Acaso é loucura?


Victória Pereira Martins
17/01/2008


agora me mostra alguém
afim de me acompanhar.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

De repente

Era noite. Tudo parecia estar bem, já que ignoravam o fato de estarem caminhando para o final. Havia muito tempo, a única razão pela qual eles olhavam nos olhos um do outro era ver a si mesmo, a imagem refletida de seu eu. É claro que é essencial ter amor próprio, porém a partir do momento em que ambos começam a ter atitudes esdrúxulas e excêntricas, percebe-se um desgaste e o relacionamento se torna errante.

O silêncio incômodo cabia nos poucos milímetros que os separavam. Decerto, às vezes palavras não são necessárias para dizer alguma coisa, mas não era o caso. No começo, eles eram capazes de se entender por telepatia, com um toque, um olhar, um gesto. Lentamente, o tempo construiu uma barreira em suas mentes, a qual os deixou inaptos para decifrar qualquer sinal vindo do outro. E a vida se acostumou.

Nem desejo sentiam mais. As mãos trocavam carícias porque era conveniente, para esconder o tédio irreversível, cuja cura seria possível se houvessem feito algo a tempo. Mas como eles fingiam desconhecer o acontecimento, o tédio espalhou-se como uma epidemia maligna, degenerativa, que matou não só a alegria de estar junto, como o amor inicialmente forte, transformando-o em cinzas.

Amanheceu. Talvez tenha sido pelo cansaço, ou quem sabe pela massa de tensão que se solidificara entre eles, mas antes que tentassem fazer qualquer coisa para reverter a situação, as bocas inundadas em mentiras separaram-se, o falso abraço se desfez e as risadas não tinham mais motivo para tornarem-se existentes.


Victória Pereira Martins
09/01/2008