Ele me beijou. Nós dois sabíamos que não deveríamos, que estávamos machucando uma terceira pessoa com aquele feito impensável, porém irresistível. A porta estava fechada, e não trancada - aquilo não nos impediu de segurar o lábio do outro por mais tempo do que o razoável. Talvez o nosso razoável não se medisse com uma régua. Talvez nosso razoável exigisse muito mais do que o razoável segundo o senso comum. Talvez nós precisássemos de doses muito maiores um do outro para nos saciarmos. Eu tinha medo de não tê-las. Eu sabia que, por mais que estivéssemos dispostos a nos explorarmos com mais intensidade, nosso tempo era limitado. Eu partiria para a Austrália dentro de cinco semanas. E, então, ficaríamos separados por doze meses. Não que minha breve experiência de vida me desse a certeza de que um relacionamento de cinco semanas não sobreviveria a doze meses de separação; no entanto, eu não era tola. Sabia a realidade: milhares de quilômetros e centenas de dias significariam certidão de óbito para qualquer relacionamento, por mais intenso que este fosse.
Afastei-me. O que eu estava fazendo, afinal? Eu nunca fora assim. Embora o homem, a poucos metros dali, nunca tivesse me dado a atenção merecida - ou, pelo menos, nunca fosse sincero comigo -, não era o caso de querer vingança, ou de fazê-lo sofrer.. ou de fazê-lo sentir ciúmes. Não. Eu não beijara aquele menino, escondida na lavanderia, por nenhum motivo que envolvessem as pessoas do outro lado daquela porta. Aquele beijo dizia somente a nosso respeito. Ele me observou, procurando traços de arrependimento ou remorso em meu olhar.
"Desculpe-me", ele disse. "Eu não deveria..."
"Nós não deveríamos", corrigi. "Mas isso não muda nada. E não me arrependo de ter feito o que fiz", respondi à sua ansiedade, que parecia pedir uma resposta para alguma pergunta omissa. Segurei sua mão. E, talvez, tenha sido o ato de maior proximidade que jamais tivemos.
De súbito, lembrei que deixara água fervendo para fazer café. Como se lera meu pensamento, ele levantou-se ao mesmo tempo que eu. Era engraçado: havíamos nos conhecido naquela mesma noite e parecia que nos conhecíamos desde sempre. Comecei a reparar nele quando o homem que me acompanhava passou a flertar com outras meninas. Não me importava mais. Estava cansada de ser tratada tão levianamente. Estava cansada de homens que não me elogiavam com frequência, que não saíam comigo publicamente e só me procuravam quando ébrios. E, então, percebi o jeito como aquele menino me olhava. Não de maneira erótica, mas de uma forma singela. Como se ele entendesse como eu me sentia, como que querendo amenizar a minha dor. Era o olhar de quem admirava o outro. Passou pela minha cabeça: ninguém nunca olhou para mim assim, fazendo-me sentir tão bonita. E simplesmente por me achar bonita, não porque tivesse segundas intenções.
Enquanto o homem flertava, peguei meu violão, sentei-me em volta da piscina - refletindo lindamente o luar - e comecei a tocar algumas músicas que ele desgostava. O menino sentou-se ao meu lado, e, para minha surpresa, dividíamos o mesmo gosto musical. Cantamos longamente, divertidos, sob a brisa suave daquela noite de inverno. E, deixando um pouco o violão de lado, descobrimos nosso gosto comum por café, também. Decidimos ir preparar um pouco. Sugeri, enquanto a água fervia, que nos sentássemos na escada da lavanderia. E assim o fizemos. Quando o assunto chegou no homem a poucos metros dali, evitei falar demais, porém confessei-lhe de que não suportava mais aquela situação. Disse-lhe que há muito não encontrava alguém que valesse a pena, e me prendia a ele somente por medo de ficar sozinha outra vez.
"Você é muito bonita e inteligente para se prestar a esse tipo de coisa. Duvido que você fique sequer um dia sozinha, caso o deixe. Tem tantos homens que gostariam de estar ao seu lado!", ele me disse. Eu lhe sorri, tristemente, e balancei a cabeça negativamente, sabendo que ele falava tudo aquilo para me agradar. Ele, percebendo meu ceticismo, acrescentou: "Falo sério". E, diante de toda a minha vulnerabilidade e repentino desejo que brotara em mim, ele agarrou meu rosto com as duas mãos e beijou-me, puxando-me pela cintura depois e, claro, segurando-me mais forte, mais intensamente e mais longamente que o razoável. Nenhum de nós era razoável. E, dadas as circunstâncias, eu queria mesmo ser carência ou excesso. Qualquer coisa que fugisse do padrão.
Coei o café com calma. Uma calma que talvez irritasse qualquer pessoa, mas não ele. Enquanto escutávamos o ruído do café preto alcançar o fundo do bule, nada falamos. Apesar trocamos olhares e sorrisos, adequando-nos àquela atmosfera de vapor que se criava à nossa volta, como se, mesmo na penumbra, nós nos reconhecêssemos como iguais. Exatamente como fomos durante todo o nosso tempo juntos. Subitamente, os outros convidados da festa começaram a adentrar a cozinha - provavelmente atraídos pelo aroma do café. Não avistei o homem - este já abandonara minha mente havia muito - e também dei por falta uma das meninas de cabelos louros. Dei de ombros. Aquilo não mais me dizia respeito.
Todos sentaram-se à mesa redonda. O menino sentou-se ao meu lado e, enquanto saboreávamos o café, gole a gole, ele segurava minha mão com força contra a dele - embora o fizesse com cuidado, às escondidas, embaixo da toalha. A sua mão quente contrastava com meu coração gelado, pesaroso por aquelas cinco semanas tornando-se mais próximas a cada segundo. Talvez nós devêssemos considerar tudo aquilo como um caso de uma noite, uma estupidez, uma loucura passageira, antes que tudo tomasse proporções tão grandes quanto a Oceania. Talvez eu devesse largar de sua mão naquele mesmo instante, procurar um lugar vago à mesa, fumar um cigarro e aceitar que casos de amor não começam assim. Eu sequer procurava por um caso de amor. Queria distância deles. Ou pelo menos, eu pensava que sim.
O homem, que chegara comigo à festa, entrou cambaleante no aposento, com a loura nos braços. Olhou-me perplexo - esquecera-se da minha presença. A menina que ele abraçava estava com as alças de sua blusa caídas pelos ombros, a saia levemente levantada e seu batom, desgastado e manchado. Ele, com seu olhar nada sóbrio, tentou gesticular qualquer palavra enquanto eu me preenchia com uma sensação de humilhação. Levantei-me e, vagarosamente, voltei ao quintal da casa, em volta da piscina - o menino me seguiu. Senti-o abraçar-me quando eu afundei meu rosto em minhas mãos, tentando entender todos os meus sentimentos contraditórios. Queria pegar o primeiro avião para a Austrália mas, ao mesmo tempo, queria prolongar aquelas cinco semanas em cinco meses.
Olhei-o bem fundo nos olhos, tentando chorar. Queria me sentir subjugada, mal amada, abandonada. Não senti nada daquilo. Seus olhos me fizeram mudar de ideia. Talvez em parte por sua presença - que, inexplicavelmente, me trazia paz -, talvez em parte pela visualização incerta do futuro, eu senti que cinco semanas eram o suficiente. Por um lado, era muito tempo para me envolver tanto quanto eu deveria. Por outro, era demasiado pouco para me envolver quanto gostaria. No entanto, cinco semanas seriam o bastante para que se tornasse inesquecível.
Victória Pereira Martins
20/07/2009 até 05/09/2011
"O que tem de ser tem muita força. Ninguém precisa se assustar com a distância, os afastamentos que acontecem. Tudo volta! E voltam mais bonitas, mais maduras, voltam quando tem de voltar, voltam quando é pra ser. Acontece que, entre o ainda-não-é-hora e nossa-hora-chegou, muita gente se perde." (Caio Fernando de Abreu)
segunda-feira, 5 de setembro de 2011
terça-feira, 2 de agosto de 2011
À primeira vista
"Eu nunca me apaixonei à primeira vista", disse a pessoa ao meu lado. A regra era clara: quem já houvesse se apaixonado à primeira vista deveria tomar um gole de seu drinque. Não bebi, embora a maioria das pessoas em volta da mesa o fizeram. A verdade é que eu não conseguia me recordar se aquilo acontecera comigo ou não, e achava constrangedor demais admitir no caso positivo. Era a minha vez de falar algo que eu nunca fizera. "O que eu nunca fiz?", pensei. Talvez fosse drástico demais dizer que eu nunca me apaixonara, por mais que eu estivesse tentando parecer a pessoa mais desapegada do mundo naqueles tempos, o que eu sabia que não era tão verdade assim. Sim, eu havia passado por uns maus relacionamentos naquele ano, inclusive o término de um longo, e me tornara mais fria nesse aspecto. No entanto, toda a minha ardência não permitiu que eu me inserisse em algum universo glacial, então eu estava morna. Ou até mesmo anestesiada de todo o amor que quisesse me infectar.
"Eu nunca senti atração por alguém que está aqui", falei. Imediatamente tomei um gole da minha bebida, porque estava óbvio que aquilo não era verdade. Olhei para o menino sentado do outro lado da mesa, que também levava o copo à boca. Embora seu olhar fosse maduro, seus contornos fossem maduros e toda a sua sensualidade não deixasse transparecer um traço de sua pouca idade, ele era um menino e eu sabia. Sorri para ele maliciosamente, e ele correspondeu. Desde que ele chegara à minha casa, não havia tirado os olhos de mim um segundo sequer. Embora eu fingisse não perceber, meu corpo estremecia toda vez em que aquele olhar jovem devorava-me por completa. E o mais estranho é que, mesmo com todos os outros olhares de homens mais velhos e experientes já destinados a mim, eu nunca me sentira tão desejada quanto naquele dia.
Estava frio, mas eu ardia em calor. Fizemos uma pausa na brincadeira alcoolica e todos saímos ao ar livre para fumar, apesar de nenhum de nós ser fumante habitual. Vi o menino acender seu cigarro e levá-lo a boca com cautela, quase como pedindo licença ao tabaco, e instantaneamente desejei sentir sua boca na minha, e então sobre meu corpo, pedindo licença a cada centímetro de pele transbordando de prazer. Ele, percebendo meu devaneio, encontrou os meus olhos, e, levantando as sobrancelhas, olhou-me sugestivamente, como se soubesse tudo o que eu havia fantasiado. Enrubesci. Tentando esquivar-me daquela situação constrangedora, perguntei-lhe o que fazia, embora já o soubesse. Ele, timidamente, disse-me que ainda estudava - fazendo um rápido cálculo mental, concluí que ele era cinco anos mais novo que eu, aproximadamente, e isso me excitou ainda mais. Talvez fosse divertido, afinal, brincar com sua vulnerabilidade, ensiná-lo coisas que minha experiência mais vasta explorava, mostrar-lhe onde tocar, fazê-lo sentir como nunca antes se sentira. Talvez, também, eu estivesse exagerando, e apenas cinco anos não fizessem tanta diferença assim.
Terminei meu cigarro e o atirei metros a frente. Todos entramos para retomar a brincadeira, e, dessa vez, as declarações de "eu nunca" tornaram-se menos inocentes. A essa altura, eu já havia tomado vários copos do meu drinque, portanto não estava mais muito sóbria. E, como a tequila já subira à minha cabeça, eu perdera também o pudor e comecei a responder mais avidamente aos olhares do menino. Eu ria, divertida, com a tamanha e aparente atração que aquele menino sentia por mim. Será que eu era mesmo tão desejável? Ou será que ele só se sentia daquela maneira por eu ser mais velha e, na teoria, menos alcançável para ele que as meninas de sua idade? Se pensava assim, estava terrivelmente enganado, porque seu corpo escultural, seu rosto perfeito e todo o seu charme tornariam disponível qualquer mulher que lhe fosse inalcançável em um primeiro momento. Eu mesma, que não me impressionava facilmente com a beleza masculina, ficara encantada com todas as qualidades daquele menino. Quiçá o tamanho do meu encantamento fosse bastante por causa de sua idade. Talvez ele que me fosse inalcançável, e não mais o contrário.
Levantei-me da mesa para ir ao banheiro. Aproveitei para melhorar meu visual: removi as manchas do lápis preto que se formavam embaixo dos meus olhos e tentei suavizar a vermelhidão de minhas bochechas, causada pelo álcool. À parte isso, eu me sentia linda, e havia tanto que eu não me sentia assim! Sorri para o espelho, querendo agradecer ao menino, que fizera eu encontrar uma beleza que andava escondida. Ouvi batidas na porta. Não respondi, mas tampouco me apressei. Baguncei os meus cabelos e calmamente caminhei até a porta. Abri-a vagarosamente, querendo que fosse ele do outro lado, mas sabendo que eu poderia me decepcionar. Lá estava ele, encostado contra a parede, com as pernas cruzadas, as mãos no bolso, com o rosto abaixado. Quando apareci, ele olhou-me de baixo a cima, tomando cuidado para degustar-me com os olhos minuciosamente, já que seria a última vez que ele o faria apenas com o olhar. Aproximei-me para sair da passagem da porta. Ele aproximou-se ainda mais, e puxou-me pela cintura. Então ele me beijou. Beijou-me sem pressa, sem euforia, sem agressividade. Beijou-me simplesmente, como se estar ali fosse a coisa mais importante para ele; como que, se o mundo acabasse naquele momento, nós não perceberíamos.
Ele não parou de me dizer o quanto eu era linda, e eu passei a acreditar. No final, era eu quem estava terrivelmente enganada: estar com ele não me faria me sentir mais velha, mais experiente, ou fazê-lo sentir coisas que nunca sentira, porque foi o contrário. Eu me senti uma adolescente ao seu lado. Àquela altura, sentir-me uma adolescente, e não uma adulta cheia de problemas, talvez não fosse o bastante, mas era o suficiente. E, com certeza, era o que eu precisava. Talvez, se a pessoa sentada ao meu lado repetisse a declaração de que nunca se apaixonara à primeira vista, naquele instante eu seria obrigada a beber um gole do meu drinque. Com uma diferença: não havia sido à primeira vista, mas sim àquela noite inteira.
Victória Pereira Martins
01-05/08/2011
"Eu nunca senti atração por alguém que está aqui", falei. Imediatamente tomei um gole da minha bebida, porque estava óbvio que aquilo não era verdade. Olhei para o menino sentado do outro lado da mesa, que também levava o copo à boca. Embora seu olhar fosse maduro, seus contornos fossem maduros e toda a sua sensualidade não deixasse transparecer um traço de sua pouca idade, ele era um menino e eu sabia. Sorri para ele maliciosamente, e ele correspondeu. Desde que ele chegara à minha casa, não havia tirado os olhos de mim um segundo sequer. Embora eu fingisse não perceber, meu corpo estremecia toda vez em que aquele olhar jovem devorava-me por completa. E o mais estranho é que, mesmo com todos os outros olhares de homens mais velhos e experientes já destinados a mim, eu nunca me sentira tão desejada quanto naquele dia.
Estava frio, mas eu ardia em calor. Fizemos uma pausa na brincadeira alcoolica e todos saímos ao ar livre para fumar, apesar de nenhum de nós ser fumante habitual. Vi o menino acender seu cigarro e levá-lo a boca com cautela, quase como pedindo licença ao tabaco, e instantaneamente desejei sentir sua boca na minha, e então sobre meu corpo, pedindo licença a cada centímetro de pele transbordando de prazer. Ele, percebendo meu devaneio, encontrou os meus olhos, e, levantando as sobrancelhas, olhou-me sugestivamente, como se soubesse tudo o que eu havia fantasiado. Enrubesci. Tentando esquivar-me daquela situação constrangedora, perguntei-lhe o que fazia, embora já o soubesse. Ele, timidamente, disse-me que ainda estudava - fazendo um rápido cálculo mental, concluí que ele era cinco anos mais novo que eu, aproximadamente, e isso me excitou ainda mais. Talvez fosse divertido, afinal, brincar com sua vulnerabilidade, ensiná-lo coisas que minha experiência mais vasta explorava, mostrar-lhe onde tocar, fazê-lo sentir como nunca antes se sentira. Talvez, também, eu estivesse exagerando, e apenas cinco anos não fizessem tanta diferença assim.
Terminei meu cigarro e o atirei metros a frente. Todos entramos para retomar a brincadeira, e, dessa vez, as declarações de "eu nunca" tornaram-se menos inocentes. A essa altura, eu já havia tomado vários copos do meu drinque, portanto não estava mais muito sóbria. E, como a tequila já subira à minha cabeça, eu perdera também o pudor e comecei a responder mais avidamente aos olhares do menino. Eu ria, divertida, com a tamanha e aparente atração que aquele menino sentia por mim. Será que eu era mesmo tão desejável? Ou será que ele só se sentia daquela maneira por eu ser mais velha e, na teoria, menos alcançável para ele que as meninas de sua idade? Se pensava assim, estava terrivelmente enganado, porque seu corpo escultural, seu rosto perfeito e todo o seu charme tornariam disponível qualquer mulher que lhe fosse inalcançável em um primeiro momento. Eu mesma, que não me impressionava facilmente com a beleza masculina, ficara encantada com todas as qualidades daquele menino. Quiçá o tamanho do meu encantamento fosse bastante por causa de sua idade. Talvez ele que me fosse inalcançável, e não mais o contrário.
Levantei-me da mesa para ir ao banheiro. Aproveitei para melhorar meu visual: removi as manchas do lápis preto que se formavam embaixo dos meus olhos e tentei suavizar a vermelhidão de minhas bochechas, causada pelo álcool. À parte isso, eu me sentia linda, e havia tanto que eu não me sentia assim! Sorri para o espelho, querendo agradecer ao menino, que fizera eu encontrar uma beleza que andava escondida. Ouvi batidas na porta. Não respondi, mas tampouco me apressei. Baguncei os meus cabelos e calmamente caminhei até a porta. Abri-a vagarosamente, querendo que fosse ele do outro lado, mas sabendo que eu poderia me decepcionar. Lá estava ele, encostado contra a parede, com as pernas cruzadas, as mãos no bolso, com o rosto abaixado. Quando apareci, ele olhou-me de baixo a cima, tomando cuidado para degustar-me com os olhos minuciosamente, já que seria a última vez que ele o faria apenas com o olhar. Aproximei-me para sair da passagem da porta. Ele aproximou-se ainda mais, e puxou-me pela cintura. Então ele me beijou. Beijou-me sem pressa, sem euforia, sem agressividade. Beijou-me simplesmente, como se estar ali fosse a coisa mais importante para ele; como que, se o mundo acabasse naquele momento, nós não perceberíamos.
Ele não parou de me dizer o quanto eu era linda, e eu passei a acreditar. No final, era eu quem estava terrivelmente enganada: estar com ele não me faria me sentir mais velha, mais experiente, ou fazê-lo sentir coisas que nunca sentira, porque foi o contrário. Eu me senti uma adolescente ao seu lado. Àquela altura, sentir-me uma adolescente, e não uma adulta cheia de problemas, talvez não fosse o bastante, mas era o suficiente. E, com certeza, era o que eu precisava. Talvez, se a pessoa sentada ao meu lado repetisse a declaração de que nunca se apaixonara à primeira vista, naquele instante eu seria obrigada a beber um gole do meu drinque. Com uma diferença: não havia sido à primeira vista, mas sim àquela noite inteira.
Victória Pereira Martins
01-05/08/2011
terça-feira, 12 de julho de 2011
As cartas que eu não mando
PARA ELE
Querido D.H.R.,
espero que tenha recebido o convite do meu casamento, já que não ligou depois que o enviei. Nem acredito que já é na semana que vem: estou começando a ficar com frio na barriga. É natural, não é? Espero que não seja dúvida do "sim" ou falta de amor. Não, isso não. Quanto mais perto do grande dia chega, mais eu sinto sua falta. Fico com vontade de ir à sua casa, tentar resgatar aquilo que eu sentia com você e perguntar-me se algum dia sentirei de novo. Estou me casando com o Júlio porque o que eu sinto por ele é o mais próximo daquilo que senti com você. Infelizmente, acho que nunca sentirei o que sentia naqueles dias, no nosso último verão juntos. Ninguém nunca mais me olhou do jeito como você costumava me olhar. Nunca mais alguém me destinou tantos elogios como você costumava fazer. E duvido que alguém consiga. O Júlio é ótimo, não me entenda mal. Ele me adora, posso dizer inclusive que me venera, mas ele não é você. Ele não me surpreende todos os dias. Eu não me apaixono por ele todas as vezes em que ele se declara. Eu nem sei se tenho vontade de passar o resto da minha vida com ele. Minhas certezas tornaram-se dúvidas, embora isso não tenha sido culpa do Júlio. Foi culpa da nossa separação, minha e sua. Quando sinto que daqui a pouco estarei casada, perco ainda mais as esperanças que tenho de que talvez você não seja o amor da minha vida. Começo a pensar que casarei com um estranho, que em nada é parecido com você; que mesmo todo o meu amor por ele não representa um centésimo daquilo que senti por você. E, inútil e ridiculamente, eu fico esperando que você invada o casamento, com aquele seu jeito de querer imitar as aventuras, e, segurando-me em seus braços, diga-me que nunca deixou de me amar e que nunca vai deixar. Depois, em uma saída cinematográfica, nós fugimos para um lugar deserto qualquer e fazemos amor até o sol se pôr. Já imaginei essa cena tantas vezes que ela começou a parecer real. Às vezes pego o telefone querendo te ligar, como se nós nunca houvéssemos nos separado. Quero te contar meu dia, quero contar como é o bordado do meu vestido, quero que você me diga se escolho flores brancas ou azuis. Eu quero acordar com você e ouvi-lo dizer como lindo está o dia. Eu quero que você beije minhas pálpebras antes de dormirmos, como que agradecendo a Deus pela minha existência. Que saudade irracional de você! Eu quero você de volta.
Com amor,
F.G.P.
PARA ELA
Minha vida, meu amor, minha ilusão,
recebi o convite do seu casamento e foi como se uma parte de mim houvesse se perdido. Foi como se meu coração saísse para dar uma volta e nunca mais voltasse. Não liguei: fiquei dias pensando se o convite veio tão em cima da hora para evitar que eu comparecesse ao evento, ou se foi porque você ficou indecisa sobre enviá-lo a mim ou não. Decidi escrever-lhe porque dá a sensação de que estamos conversando, embora essa carta talvez nunca chegue. Inclusive, duvido que ela saia do armário. Tenho tantas saudades do seu beijo, do seu cabelo, das suas mãos tão pequenas que procuravam meu rosto inocentemente, do seu corpo, do seu cheiro, da sua voz. E fico tão triste quando penso que tudo isso agora pertence a outra pessoa! Queria te ligar ou até te encontrar para me desculpar por todas a besteiras que eu fiz na nossa relação, quem sabe isso consertasse tudo. Deus sabe, entretanto, que você nunca me perdoaria, afinal, você está se casando com outro. Júlio. Odeio esse nome sem ter nem o porquê. Fiquei com vontade de rasgá-lo do convite, mas me contive. Sabe, eu até iria na cerimônia para te prestigiar. Acho que quando um ser humano ama outro da maneira como eu te amo, ele chega ao ponto de conseguir estar feliz pela pessoa, mesmo que isso signifique a maior dor do mundo para si mesmo. É assim que eu me sinto. Estou feliz porque tenho certeza de que você está feliz (um convite de casamento bonito desse jeito só poderia ser de um casal que se ama muito, certo?). O problema é que seria muito doloroso para mim vê-la com outro homem, ver como ele se parece, ver que provavelmente é mais bonito que eu, e certamente mais rico também... seria doloroso demais vê-la olhando para ele tão apaixonadamente, ou mais até, como olhava para mim. Além disso, não quero lhe causar problemas. Vocês dois estão juntos há muito tempo, então ele deve saber de mim. Não sei o quanto sabe, mas quero que você tenha o dia mais feliz da sua vida. O dia que eu tanto quis lhe dar, e agora já é tarde demais. Espero que ele te trate bem. Eu a trataria como uma princesa, não só no dia, mas em todos os dias em que estivéssemos juntos, porque eu sempre preferi estar com você do que com qualquer outra pessoa no mundo inteiro. Teríamos uma casa simples - você sabe que não gosto de tanto luxo - mas seríamos muito mais felizes do que qualquer outro casal. Teríamos dois filhos (não é?), e nos esforçaríamos para passar o máximo de tempo possível em família. É, não é demais, eu sei, mas é o que eu sonhei para mim e para você. No entanto, acho que o Júlio lhe dará muito mais. Pelo menos espero. Olha, tudo o que eu queria era você de volta, mas sei que você está feliz. Não quero estragar sua felicidade, como fiz uma vez. Em meu sofrimento oculto, estou feliz por você. E ainda te amando. Hoje e sempre.
Para sempre teu,
D.H.R.
Victória Pereira Martins
27/07/2011
It's better to say too much than never to say what you need to say*
Querido D.H.R.,
espero que tenha recebido o convite do meu casamento, já que não ligou depois que o enviei. Nem acredito que já é na semana que vem: estou começando a ficar com frio na barriga. É natural, não é? Espero que não seja dúvida do "sim" ou falta de amor. Não, isso não. Quanto mais perto do grande dia chega, mais eu sinto sua falta. Fico com vontade de ir à sua casa, tentar resgatar aquilo que eu sentia com você e perguntar-me se algum dia sentirei de novo. Estou me casando com o Júlio porque o que eu sinto por ele é o mais próximo daquilo que senti com você. Infelizmente, acho que nunca sentirei o que sentia naqueles dias, no nosso último verão juntos. Ninguém nunca mais me olhou do jeito como você costumava me olhar. Nunca mais alguém me destinou tantos elogios como você costumava fazer. E duvido que alguém consiga. O Júlio é ótimo, não me entenda mal. Ele me adora, posso dizer inclusive que me venera, mas ele não é você. Ele não me surpreende todos os dias. Eu não me apaixono por ele todas as vezes em que ele se declara. Eu nem sei se tenho vontade de passar o resto da minha vida com ele. Minhas certezas tornaram-se dúvidas, embora isso não tenha sido culpa do Júlio. Foi culpa da nossa separação, minha e sua. Quando sinto que daqui a pouco estarei casada, perco ainda mais as esperanças que tenho de que talvez você não seja o amor da minha vida. Começo a pensar que casarei com um estranho, que em nada é parecido com você; que mesmo todo o meu amor por ele não representa um centésimo daquilo que senti por você. E, inútil e ridiculamente, eu fico esperando que você invada o casamento, com aquele seu jeito de querer imitar as aventuras, e, segurando-me em seus braços, diga-me que nunca deixou de me amar e que nunca vai deixar. Depois, em uma saída cinematográfica, nós fugimos para um lugar deserto qualquer e fazemos amor até o sol se pôr. Já imaginei essa cena tantas vezes que ela começou a parecer real. Às vezes pego o telefone querendo te ligar, como se nós nunca houvéssemos nos separado. Quero te contar meu dia, quero contar como é o bordado do meu vestido, quero que você me diga se escolho flores brancas ou azuis. Eu quero acordar com você e ouvi-lo dizer como lindo está o dia. Eu quero que você beije minhas pálpebras antes de dormirmos, como que agradecendo a Deus pela minha existência. Que saudade irracional de você! Eu quero você de volta.
Com amor,
F.G.P.
PARA ELA
Minha vida, meu amor, minha ilusão,
recebi o convite do seu casamento e foi como se uma parte de mim houvesse se perdido. Foi como se meu coração saísse para dar uma volta e nunca mais voltasse. Não liguei: fiquei dias pensando se o convite veio tão em cima da hora para evitar que eu comparecesse ao evento, ou se foi porque você ficou indecisa sobre enviá-lo a mim ou não. Decidi escrever-lhe porque dá a sensação de que estamos conversando, embora essa carta talvez nunca chegue. Inclusive, duvido que ela saia do armário. Tenho tantas saudades do seu beijo, do seu cabelo, das suas mãos tão pequenas que procuravam meu rosto inocentemente, do seu corpo, do seu cheiro, da sua voz. E fico tão triste quando penso que tudo isso agora pertence a outra pessoa! Queria te ligar ou até te encontrar para me desculpar por todas a besteiras que eu fiz na nossa relação, quem sabe isso consertasse tudo. Deus sabe, entretanto, que você nunca me perdoaria, afinal, você está se casando com outro. Júlio. Odeio esse nome sem ter nem o porquê. Fiquei com vontade de rasgá-lo do convite, mas me contive. Sabe, eu até iria na cerimônia para te prestigiar. Acho que quando um ser humano ama outro da maneira como eu te amo, ele chega ao ponto de conseguir estar feliz pela pessoa, mesmo que isso signifique a maior dor do mundo para si mesmo. É assim que eu me sinto. Estou feliz porque tenho certeza de que você está feliz (um convite de casamento bonito desse jeito só poderia ser de um casal que se ama muito, certo?). O problema é que seria muito doloroso para mim vê-la com outro homem, ver como ele se parece, ver que provavelmente é mais bonito que eu, e certamente mais rico também... seria doloroso demais vê-la olhando para ele tão apaixonadamente, ou mais até, como olhava para mim. Além disso, não quero lhe causar problemas. Vocês dois estão juntos há muito tempo, então ele deve saber de mim. Não sei o quanto sabe, mas quero que você tenha o dia mais feliz da sua vida. O dia que eu tanto quis lhe dar, e agora já é tarde demais. Espero que ele te trate bem. Eu a trataria como uma princesa, não só no dia, mas em todos os dias em que estivéssemos juntos, porque eu sempre preferi estar com você do que com qualquer outra pessoa no mundo inteiro. Teríamos uma casa simples - você sabe que não gosto de tanto luxo - mas seríamos muito mais felizes do que qualquer outro casal. Teríamos dois filhos (não é?), e nos esforçaríamos para passar o máximo de tempo possível em família. É, não é demais, eu sei, mas é o que eu sonhei para mim e para você. No entanto, acho que o Júlio lhe dará muito mais. Pelo menos espero. Olha, tudo o que eu queria era você de volta, mas sei que você está feliz. Não quero estragar sua felicidade, como fiz uma vez. Em meu sofrimento oculto, estou feliz por você. E ainda te amando. Hoje e sempre.
Para sempre teu,
D.H.R.
Victória Pereira Martins
27/07/2011
It's better to say too much than never to say what you need to say*
segunda-feira, 11 de julho de 2011
Persistência
O museu estava cheio de pessoas que olhavam para os quadros como se fossem vazios, sem enxergá-los de verdade. Eu era uma delas. Não me dei ao trabalho de olhar ao redor, e caminhei até encontrar a pintura que eu estava procurando. Conhecia aquele museu muito bem: visitara-o inúmeras vezes quando cursava Artes, na Universidade de Nova York. Estranhamente, ele já não me atraía tanto quanto o fazia naquela época, tão distante na minha memória. Eu havia estudado tanto o sentido de todas aquelas obras de arte, de maneira que esquecera o quanto é belo a falta de sentido. E, ao invés de manter a busca frenética pelo sentido das coisas apenas no mundo das artes, eu transferi essa obsessão para dentro de minha vida. Deixei de apreciar os momentos singulares, e passei a querer encaixá-los em um todo que não existia. Minha vida era toda fragmentada, e eu só percebi o quanto era confusa quando decidi juntar todos os pedaços.
Dezenas de turistas se empurravam em volta do quadro. "A Persistência da Memória", de Salvador Dalí, era uma obra notoriamente conhecida, e todos queriam tirar fotos dela, e, vez ou outra, chegava aos meus ouvidos berros do guarda, advertindo aqueles que esqueciam que flashes eram proibidos. Sentei-me um pouco distante da confusão, como que para apreciar o caos. Era irônico eu ter marcado o encontro justo na sala daquele quadro. Afinal, a minha história com a pessoa que viria me encontrar encaixava-se perfeitamente ao título do quadro. Nós persistíamos em algo que não era real, e que nunca seria. Fora real em outro tempo, que parecia ainda mais distante do tempo em que Dalí pintara o quadro. Sem conseguir seguir em frente, nós mantínhamos a memória como um refúgio, como uma desculpa para continuar nos encontrando. No entanto, tudo aquilo parou de fazer sentido para mim. Todos os olhares e todos os beijos eram vazios, porque nós dois não éramos mais aqueles dois adolescentes apaixonados. Eu comecei a sentir que a pessoa que eu amava não mais existia. Para mim, o vazio de sentido era muito pior do que seria nossa separação. Eu simplesmente não podia conviver com o vazio: era algo que me dava horror. Convidei-o a um passeio pelo museu para lhe dizer aquilo. Escolhi o museu porque me sentia segura lá; porque sentia que era o único lugar onde tudo fazia sentido.
Ele chegou e sentou-se ao meu lado. Aquilo seria mais difícil do que eu imaginara: ele era dono da galeria onde eu expunha meus quadros amadores, já que qualquer outra não aceitaria expô-los. Talvez nós teríamos que continuar nos vendo. Olhei em seus olhos e sorri. Não sabia o que fazia menos sentido: nosso relacionamento ou ter que abandoná-lo. Mesmo cercada de tantas obras, que faziam sentido na minha cabeça, eu me senti vazia. Percebi que eu própria era vazia de sentido. Sempre fora e sempre seria. Porém, eu não havia escolha a não ser conviver comigo mesma. Já com ele, não era mais possível. Eu estava tentando não encará-lo quando ele aproximou-se para pegar minha mão. Afastei-me. Ele me olhou confuso.
"Não posso mais", eu disse. Sua expressão não mudou. "Desculpe, mas nada disso se encaixa. Nós dois fizemos sentido em uma época remota. Agora, parece que estamos insistindo em uma história que acabou".
Ele acenou com a cabeça, nem um pouco abalado com minhas palavras. E eu esperava que ele persistisse ao menos um pouco nas nossas memórias, mas não. Ele parecia aliviado, pelo contrário. Parecia que eu o havia liberado de alguma obrigação surreal de ficar ao meu lado. É, acho que, afinal, eu havia mesmo. Eu, também, estava livre. Nada daquilo fez sentido, não consegui encontrar explicação para nada e não me importei. Não me desesperei tentando juntar os pedaços e descobrir o porquê de sua indiferença. Não gastei um único neurônio cerebral para questioná-lo sobre sua tranquilidade.
"Vou mudar a exposição na galeria", ele disse. "A sua está há muito tempo e não há mais ninguém frequentando o lugar. Passe para retirar seus quadros assim que puder". A princípio, as palavras me preocuparam. O que eu faria dali em diante? Meus quadros eram medíocres, o sentido deles era assaz explícito. Não me importei. Acenei com a cabeça: isso aconteceria mais cedo ou mais tarde. Eu só precisava pintar novos quadros, procurar novas galerias e me refugiar em novos museus. Tudo ficaria bem, afinal. Levantei-me para ir embora.
O museu estava cheio de pessoas que olhavam os quadros sem alguma perspectiva de futuro, esperando que suas vidas não fossem tão vazias quanto aqueles quadros aparentavam. Entretanto, eu não mais era uma delas.
Victória Pereira Martins
11/07/2011
Dezenas de turistas se empurravam em volta do quadro. "A Persistência da Memória", de Salvador Dalí, era uma obra notoriamente conhecida, e todos queriam tirar fotos dela, e, vez ou outra, chegava aos meus ouvidos berros do guarda, advertindo aqueles que esqueciam que flashes eram proibidos. Sentei-me um pouco distante da confusão, como que para apreciar o caos. Era irônico eu ter marcado o encontro justo na sala daquele quadro. Afinal, a minha história com a pessoa que viria me encontrar encaixava-se perfeitamente ao título do quadro. Nós persistíamos em algo que não era real, e que nunca seria. Fora real em outro tempo, que parecia ainda mais distante do tempo em que Dalí pintara o quadro. Sem conseguir seguir em frente, nós mantínhamos a memória como um refúgio, como uma desculpa para continuar nos encontrando. No entanto, tudo aquilo parou de fazer sentido para mim. Todos os olhares e todos os beijos eram vazios, porque nós dois não éramos mais aqueles dois adolescentes apaixonados. Eu comecei a sentir que a pessoa que eu amava não mais existia. Para mim, o vazio de sentido era muito pior do que seria nossa separação. Eu simplesmente não podia conviver com o vazio: era algo que me dava horror. Convidei-o a um passeio pelo museu para lhe dizer aquilo. Escolhi o museu porque me sentia segura lá; porque sentia que era o único lugar onde tudo fazia sentido.
Ele chegou e sentou-se ao meu lado. Aquilo seria mais difícil do que eu imaginara: ele era dono da galeria onde eu expunha meus quadros amadores, já que qualquer outra não aceitaria expô-los. Talvez nós teríamos que continuar nos vendo. Olhei em seus olhos e sorri. Não sabia o que fazia menos sentido: nosso relacionamento ou ter que abandoná-lo. Mesmo cercada de tantas obras, que faziam sentido na minha cabeça, eu me senti vazia. Percebi que eu própria era vazia de sentido. Sempre fora e sempre seria. Porém, eu não havia escolha a não ser conviver comigo mesma. Já com ele, não era mais possível. Eu estava tentando não encará-lo quando ele aproximou-se para pegar minha mão. Afastei-me. Ele me olhou confuso.
"Não posso mais", eu disse. Sua expressão não mudou. "Desculpe, mas nada disso se encaixa. Nós dois fizemos sentido em uma época remota. Agora, parece que estamos insistindo em uma história que acabou".
Ele acenou com a cabeça, nem um pouco abalado com minhas palavras. E eu esperava que ele persistisse ao menos um pouco nas nossas memórias, mas não. Ele parecia aliviado, pelo contrário. Parecia que eu o havia liberado de alguma obrigação surreal de ficar ao meu lado. É, acho que, afinal, eu havia mesmo. Eu, também, estava livre. Nada daquilo fez sentido, não consegui encontrar explicação para nada e não me importei. Não me desesperei tentando juntar os pedaços e descobrir o porquê de sua indiferença. Não gastei um único neurônio cerebral para questioná-lo sobre sua tranquilidade.
"Vou mudar a exposição na galeria", ele disse. "A sua está há muito tempo e não há mais ninguém frequentando o lugar. Passe para retirar seus quadros assim que puder". A princípio, as palavras me preocuparam. O que eu faria dali em diante? Meus quadros eram medíocres, o sentido deles era assaz explícito. Não me importei. Acenei com a cabeça: isso aconteceria mais cedo ou mais tarde. Eu só precisava pintar novos quadros, procurar novas galerias e me refugiar em novos museus. Tudo ficaria bem, afinal. Levantei-me para ir embora.
O museu estava cheio de pessoas que olhavam os quadros sem alguma perspectiva de futuro, esperando que suas vidas não fossem tão vazias quanto aqueles quadros aparentavam. Entretanto, eu não mais era uma delas.
Victória Pereira Martins
11/07/2011
segunda-feira, 18 de abril de 2011
Válvula de escape
Eu entrei na aula atrasada e, estranhamente, ele começou a sorrir. Ficou em silêncio até que eu me dirigisse ao meu lugar, no canto direito da sala, mas ainda na frente. Como se interrogasse se eu estava confortável, ele assentiu com a cabeça e recomeçou seu discurso, porque, afinal, tamanha habilidade de articulação só poderia ser descrita como um discurso, e não como uma simples conversa, o que era de fato. Ele contava alguma história, sem nexo para mim, mas que meus colegas achavam engraçado. Demorei uns segundos para entender o tema da aula, porque sua beleza me desconcertava. Enquanto eu obrigava minha mente a se focar apenas no que ele estava falando, e não em seus lábios desejosos, ele evitava olhar para mim. Percebi que tentava me observar pelo canto do olho, medindo meus braços à procura de algo em minha bolsa, e, sutilmente, achando graça quando eu cruzei minhas pernas desnudas e geladas por causa do vento frio daquela época do ano.
Ele era nosso professor mais descontraído. Não se importava nem se dirigia a nós autoritariamente quando nos via conversando ou mexendo no celular. Não estalava os dedos em uma tentativa de chamar a nossa atenção, porque, de alguma forma, ninguém conseguia se distrair ou se esquivar daquilo que ele estava falando. Pergunto-me se era pelo tema da aula ou pela intensidade com que ele explicava, como se aquilo que ele dizia dependesse de nossas vidas. Só sei que eu tinha muitos motivos para não tirar meus olhos de seu corpo ereto, e podia até enumerá-los: seus olhos, seu sorriso perfeito, sua malícia, sua ironia, sua risada contagiante, suas mãos grandes que eu imaginava sobre mim e a maneira como ele gentilmente me olhava, que me deixava sem saber como reagir.
Movimentei meus cabelos na esperança de que ele reparasse a forma como eu o havia alisado, somente para que ele percebesse. Ele me olhou rapidamente, como se eu não me mexera. Cansada de insistir em tentativas frustradas, eu abri meu caderno e comecei a copiar cada uma de suas palavras. Impossibilitada de resistir à tentação, às vezes levantava meus olhos só para olhar sua boca se movimentando rápido demais, à medida em que o som desaparecia em volta de mim, e tudo o que eu enxergava eram seus lábios. Seus lábios nos meus. E ainda, seus lábios sobre meu corpo. Quando eu retomava a atenção, acabava perdendo vários trechos daquilo que ele dissera, mas continuava escrevendo incessantemente, como se o deslizar da caneta sobre o papel fosse fazer meu desejo diminuir ao menos um pouco. No entanto, nada me distraía, seu olhar era como um ímã para o meu e, por isso, eu me via observando seus movimentos tão minuciosamente que seria capaz de imitá-los.
Eu estava começando a desistir e pensar que todos os olhares ou sorrisos dirigidos anteriormente a mim haviam sido pura ficção. Tudo não passara de uma ideia doentia gerada pela minha cabeça, quiçá perturbada nos últimos tempos. Ele se tornara minha válvula de escape da realidade, mas todos os olhares que ele desviava de mim fazia com que a realidade batesse em mim novamente como um despertador que toca quando estamos no ápice de nossos sonhos. Como eu me deixara levar tão longe? Por que insisti em acreditar, ilusoriamente, que minha paixão irreal poderia ser, de alguma forma correspondida? Com raiva de tudo, comecei a guardar tudo na minha bolsa: estojo, cadernos, garrafa de água e todos os outros objetos em cima de minha mesa, sem me preocupar em organizá-los ou guardá-los com cuidado. Deitei minha cabeça em cima de minha bolsa, e tentei parar de ouvir todo o som possível, especialmente a voz dele, e aparentemente consegui.
Levantei minha cabeça e o professor sentava-se em sua mesa para fazer a chamada. Esperei com pesar ele chamar meu nome, ao que eu apenas levantei minha mão para o alto e olhei para os seus olhos, esperando que, pelo menos assim, ele notasse minha presença. Ele segurou meu olhar por um instante e, baixando os olhos para a lista de chamada novamente, disse-me em um sussuro para que eu ficasse depois da aula, pois tinha sérios assuntos para conversar comigo. Meu coração tomou-se de adrenalina: iria ele perguntar-me o motivo de minha dispersão? Ou então advertir-me sobre meu atraso? Achei essas indagações poucos prováveis, porque ele não era o tipo de professor que parecia se importar com esses lapsos de disciplina.
Esperei que todo mundo saísse, mas continuei sentada no mesmo lugar. Depois que todos foram embora, ele olhou-me de uma maneira misteriosa. Parecia indagar o porquê de eu continuar sentada quando deveria estar preocupada, interrogando-lhe o motivo de sua intimação. Mas ele nada disse. Tampouco eu disse algo. Ele sentou-se ao meu lado, massageou brevemente meus cabelos, como se houvesse percebido que eu os havia alisado por sua causa. Então ele sorriu para mim, assim como sorriu quando eu entrei na sala. Perguntou-me porque não tirei meus olhos dele durante todo o tempo em que assisti à aula. Enrusbeci, sem saber o que responder, e abaixei meus olhos. Ao levantá-los, ele soprou-me um beijo na bochecha e levantou. Enquanto caminhava até sua mesa, pensei em confessar-lhe tudo, sobre minha paixão, sobre minha pesquisa secreta de sua vida, sobre minha vontade de me enlaçar em seus braços e tocar os seus lábios. As palavras não saíram de minha boca.
Ele pegou suas coisas, sua maleta, suas listas de presença, seus óculos jogados em cima da mesa, e dirigiu-se até a porta. Eu continuei sentada até perdê-lo de vista, e poderia jurar que ele deu uma última olhada para trás antes de desaparecer no horizonte.
Victória Pereira Martins
18/04/2011
Ele era nosso professor mais descontraído. Não se importava nem se dirigia a nós autoritariamente quando nos via conversando ou mexendo no celular. Não estalava os dedos em uma tentativa de chamar a nossa atenção, porque, de alguma forma, ninguém conseguia se distrair ou se esquivar daquilo que ele estava falando. Pergunto-me se era pelo tema da aula ou pela intensidade com que ele explicava, como se aquilo que ele dizia dependesse de nossas vidas. Só sei que eu tinha muitos motivos para não tirar meus olhos de seu corpo ereto, e podia até enumerá-los: seus olhos, seu sorriso perfeito, sua malícia, sua ironia, sua risada contagiante, suas mãos grandes que eu imaginava sobre mim e a maneira como ele gentilmente me olhava, que me deixava sem saber como reagir.
Movimentei meus cabelos na esperança de que ele reparasse a forma como eu o havia alisado, somente para que ele percebesse. Ele me olhou rapidamente, como se eu não me mexera. Cansada de insistir em tentativas frustradas, eu abri meu caderno e comecei a copiar cada uma de suas palavras. Impossibilitada de resistir à tentação, às vezes levantava meus olhos só para olhar sua boca se movimentando rápido demais, à medida em que o som desaparecia em volta de mim, e tudo o que eu enxergava eram seus lábios. Seus lábios nos meus. E ainda, seus lábios sobre meu corpo. Quando eu retomava a atenção, acabava perdendo vários trechos daquilo que ele dissera, mas continuava escrevendo incessantemente, como se o deslizar da caneta sobre o papel fosse fazer meu desejo diminuir ao menos um pouco. No entanto, nada me distraía, seu olhar era como um ímã para o meu e, por isso, eu me via observando seus movimentos tão minuciosamente que seria capaz de imitá-los.
Eu estava começando a desistir e pensar que todos os olhares ou sorrisos dirigidos anteriormente a mim haviam sido pura ficção. Tudo não passara de uma ideia doentia gerada pela minha cabeça, quiçá perturbada nos últimos tempos. Ele se tornara minha válvula de escape da realidade, mas todos os olhares que ele desviava de mim fazia com que a realidade batesse em mim novamente como um despertador que toca quando estamos no ápice de nossos sonhos. Como eu me deixara levar tão longe? Por que insisti em acreditar, ilusoriamente, que minha paixão irreal poderia ser, de alguma forma correspondida? Com raiva de tudo, comecei a guardar tudo na minha bolsa: estojo, cadernos, garrafa de água e todos os outros objetos em cima de minha mesa, sem me preocupar em organizá-los ou guardá-los com cuidado. Deitei minha cabeça em cima de minha bolsa, e tentei parar de ouvir todo o som possível, especialmente a voz dele, e aparentemente consegui.
Levantei minha cabeça e o professor sentava-se em sua mesa para fazer a chamada. Esperei com pesar ele chamar meu nome, ao que eu apenas levantei minha mão para o alto e olhei para os seus olhos, esperando que, pelo menos assim, ele notasse minha presença. Ele segurou meu olhar por um instante e, baixando os olhos para a lista de chamada novamente, disse-me em um sussuro para que eu ficasse depois da aula, pois tinha sérios assuntos para conversar comigo. Meu coração tomou-se de adrenalina: iria ele perguntar-me o motivo de minha dispersão? Ou então advertir-me sobre meu atraso? Achei essas indagações poucos prováveis, porque ele não era o tipo de professor que parecia se importar com esses lapsos de disciplina.
Esperei que todo mundo saísse, mas continuei sentada no mesmo lugar. Depois que todos foram embora, ele olhou-me de uma maneira misteriosa. Parecia indagar o porquê de eu continuar sentada quando deveria estar preocupada, interrogando-lhe o motivo de sua intimação. Mas ele nada disse. Tampouco eu disse algo. Ele sentou-se ao meu lado, massageou brevemente meus cabelos, como se houvesse percebido que eu os havia alisado por sua causa. Então ele sorriu para mim, assim como sorriu quando eu entrei na sala. Perguntou-me porque não tirei meus olhos dele durante todo o tempo em que assisti à aula. Enrusbeci, sem saber o que responder, e abaixei meus olhos. Ao levantá-los, ele soprou-me um beijo na bochecha e levantou. Enquanto caminhava até sua mesa, pensei em confessar-lhe tudo, sobre minha paixão, sobre minha pesquisa secreta de sua vida, sobre minha vontade de me enlaçar em seus braços e tocar os seus lábios. As palavras não saíram de minha boca.
Ele pegou suas coisas, sua maleta, suas listas de presença, seus óculos jogados em cima da mesa, e dirigiu-se até a porta. Eu continuei sentada até perdê-lo de vista, e poderia jurar que ele deu uma última olhada para trás antes de desaparecer no horizonte.
Victória Pereira Martins
18/04/2011
sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011
Aos doze anos
Ele segurou minha mão após cumprimentar-me com um beijo no rosto. Era a primeira vez que nos víamos de verdade e aproveitamos para fazê-lo com cuidado e minúcia, certificando-nos que nenhum detalhe escaparia a nossos olhos. Era uma noite de inverno, mas não ventava. Eu usava uma calça jeans e uma blusa de manga comprida que não me caíam bem. Na verdade, aos doze anos, nada me caía bem. O jeans era apertado na cintura e largo na perna, a roupa não combinava com meu par de tênis velhos e minhas sobrancelhas eram grossas demais. Mesmo assim, ele segurava a minha mão e me olhava apaixonado, como se nunca houvesse olhado assim para alguém antes.
O garoto tímido puxou-me para si e, segurando-me pela cintura, levou-me ao outro lado da calçada. A rua estava deserta. Sentamo-nos em frente a uma árvore pequena, porém imponente, que, sobre nossas cabeças, censurava nossos olhares ao balançar seus galhos, mesmo naquela noite sem vento. Ficamos algum tempo sem falar, embora nossas mãos estivessem entrelaçadas com paixão e desespero. Após certo tempo, começamos a conversar. Os assuntos davam voltas sobre nossas vidas mas evitávamos conversar sobre nós ou sobre os últimos seis meses que passamos em um relacionamento virtual sem que, durante todo o tempo, encontrássemos-nos.
Ninguém nunca havia me amado, mas, aos doze anos, quem amaria? Eu era desengonçada e meus cabelos eram curtos, diferente das meninas do colégio. Elas eram loiras, os cabelos até a cintura, sem contar o brilho. Que brilho tinham seus cabelos! E elas atraíam olhares de todo o colégio: eram confiantes. Eu não. Eu era normal.
Ele não parava de me olhar e comentar sobre o primeiro dia que me vira, aquele em que, segundo ele, havia se apaixonado por mim. Eu ria divertida e ingênua, acreditando em todas as palavras que eu julgava serem reais. Aos doze anos, eu não cogitaria que poderiam não ser. Mas eram. Ele falava com toda a doçura do mundo, acariciando meus ombros e beijando minhas mãos. Eu olhava para a lua e tentava entender porque eu merecia toda essa felicidade transbordante, esta que eu poderia apostar que nenhuma garota do colégio jamais tivera.
Além da felicidade, eu também sentia medo. Medo do desconhecido, medo porque eu era ingênua: sentia um medo agradável; aos doze anos, ninguém sente medo de verdade. Não era medo do envolvimento, como hoje é, era medo da iniciação, das sensações nunca sentidas, do toque da mão quente do garoto tímido. Medo porque eu mal o conhecia, embora o conhecesse bem demais. Era a primeira vez que nos víamos e parecia que também seria a última, tamanha era a força com que nossas mãos se acariciavam. Tamanho era o desejo nos lábios, temerosos mas curiosos para conhecerem um ao outro. Para se encontrarem. Para absorverem o prazer, absolverem o medo e tudo sublimar-se em amor.
Quando a lua estava bem alta no céu de inverno, nós nos olhamos e, antes que eu pudesse me esquivar de seus lábios sedentos - e desejáveis - ele me beijou. Beijou-me longamente enquanto eu tentava respirar e tocava minha face enquanto eu implorava para o meu coração bater com mais calma. No entanto, ele não me obedeceu e tampouco o menino parou de me beijar, então deixei que o meu medo se dissolvesse e se convertesse em ansiedade atrasada. Tentei não pensar em nada, mas milhões de coisas me vieram à mente. Era a primeira vez que eu era beijada.
O beijo fez a sensação de não conhecê-lo desaparecer. Quando nossos lábios separaram-se e abrimos os olhos, observei-o como se nos conhecêssemos desde sempre. E, depois do beijo, talvez nos conhecêssemos mesmo, talvez até muito antes dos seis meses passados, porque ser beijada me disse muito mais coisa sobre ele do que ele próprio me dissera em todo aquele tempo. E me disse muita coisa sobre mim também. Fez-me perceber que eu não me importava de não ser loira ou linda como as meninas do colégio. Eu só me importava com o que eu tinha ali e naquela hora.
Não me lembro depois de quanto tempo nós nos despedimos e fomos dormir, nem quanto nos beijamos, nem sobre o que conversamos. Só me lembro que, aos doze anos, graças àquele menino, eu não queria ser ninguém que não fosse eu mesma. Naquele momento, eu só queria ter doze anos e continuar sendo beijada pelo garoto que fazia eu me sentir amada. Enquanto nos beijávamos, eu o mantinha junto a mim para assegurar que ele não iria embora enquanto meus olhos estivessem fechados.
Victória Pereira Martins
18/02/2011
O garoto tímido puxou-me para si e, segurando-me pela cintura, levou-me ao outro lado da calçada. A rua estava deserta. Sentamo-nos em frente a uma árvore pequena, porém imponente, que, sobre nossas cabeças, censurava nossos olhares ao balançar seus galhos, mesmo naquela noite sem vento. Ficamos algum tempo sem falar, embora nossas mãos estivessem entrelaçadas com paixão e desespero. Após certo tempo, começamos a conversar. Os assuntos davam voltas sobre nossas vidas mas evitávamos conversar sobre nós ou sobre os últimos seis meses que passamos em um relacionamento virtual sem que, durante todo o tempo, encontrássemos-nos.
Ninguém nunca havia me amado, mas, aos doze anos, quem amaria? Eu era desengonçada e meus cabelos eram curtos, diferente das meninas do colégio. Elas eram loiras, os cabelos até a cintura, sem contar o brilho. Que brilho tinham seus cabelos! E elas atraíam olhares de todo o colégio: eram confiantes. Eu não. Eu era normal.
Ele não parava de me olhar e comentar sobre o primeiro dia que me vira, aquele em que, segundo ele, havia se apaixonado por mim. Eu ria divertida e ingênua, acreditando em todas as palavras que eu julgava serem reais. Aos doze anos, eu não cogitaria que poderiam não ser. Mas eram. Ele falava com toda a doçura do mundo, acariciando meus ombros e beijando minhas mãos. Eu olhava para a lua e tentava entender porque eu merecia toda essa felicidade transbordante, esta que eu poderia apostar que nenhuma garota do colégio jamais tivera.
Além da felicidade, eu também sentia medo. Medo do desconhecido, medo porque eu era ingênua: sentia um medo agradável; aos doze anos, ninguém sente medo de verdade. Não era medo do envolvimento, como hoje é, era medo da iniciação, das sensações nunca sentidas, do toque da mão quente do garoto tímido. Medo porque eu mal o conhecia, embora o conhecesse bem demais. Era a primeira vez que nos víamos e parecia que também seria a última, tamanha era a força com que nossas mãos se acariciavam. Tamanho era o desejo nos lábios, temerosos mas curiosos para conhecerem um ao outro. Para se encontrarem. Para absorverem o prazer, absolverem o medo e tudo sublimar-se em amor.
Quando a lua estava bem alta no céu de inverno, nós nos olhamos e, antes que eu pudesse me esquivar de seus lábios sedentos - e desejáveis - ele me beijou. Beijou-me longamente enquanto eu tentava respirar e tocava minha face enquanto eu implorava para o meu coração bater com mais calma. No entanto, ele não me obedeceu e tampouco o menino parou de me beijar, então deixei que o meu medo se dissolvesse e se convertesse em ansiedade atrasada. Tentei não pensar em nada, mas milhões de coisas me vieram à mente. Era a primeira vez que eu era beijada.
O beijo fez a sensação de não conhecê-lo desaparecer. Quando nossos lábios separaram-se e abrimos os olhos, observei-o como se nos conhecêssemos desde sempre. E, depois do beijo, talvez nos conhecêssemos mesmo, talvez até muito antes dos seis meses passados, porque ser beijada me disse muito mais coisa sobre ele do que ele próprio me dissera em todo aquele tempo. E me disse muita coisa sobre mim também. Fez-me perceber que eu não me importava de não ser loira ou linda como as meninas do colégio. Eu só me importava com o que eu tinha ali e naquela hora.
Não me lembro depois de quanto tempo nós nos despedimos e fomos dormir, nem quanto nos beijamos, nem sobre o que conversamos. Só me lembro que, aos doze anos, graças àquele menino, eu não queria ser ninguém que não fosse eu mesma. Naquele momento, eu só queria ter doze anos e continuar sendo beijada pelo garoto que fazia eu me sentir amada. Enquanto nos beijávamos, eu o mantinha junto a mim para assegurar que ele não iria embora enquanto meus olhos estivessem fechados.
Victória Pereira Martins
18/02/2011
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